Inspirada na frase do filósofo e ativista ambiental Ailton Krenak, "O futuro é ancestral", a Turucutá Batucada Coletiva Independente inicia seu tradicional Arrastão em 2025, prometendo, mais uma vez, conduzir multidões pelas ruas de Porto Alegre. Com uma energia que se tornou notória, o grupo se conecta a um movimento de resistência que tem marcado o carnaval de rua da cidade nas últimas décadas.
Este ano, o Arrastão será em 22 de março. Como o bloco ocorre sempre próximo ao aniversário da Turucutá, não integra o calendário oficial do Carnaval de Porto Alegre. A localização será divulgada nas redes sociais do grupo (@turucuta) próximo à data do evento.
Em 2010, a Turucutá expandiu sua atuação e passou a funcionar também como escola. Ao final do tão esperado Arrastão, realizado uma vez por ano, são abertas as inscrições para oficinas de formação instrumental. A demanda é tão grande que as vagas esgotam em poucos minutos, e a lista de espera ultrapassa as 100 inscrições.
Para 2025, as oficinas trazem novidades: além da inclusão de aulas de sopro, os instrumentos serão fornecidos pelo coletivo. Outra grande mudança é o local das atividades, que agora acontecerão na quadra da Imperadores do Samba, parceira do grupo desde 2014.
O Turucutá surge no contexto dos anos 2000, período de transformações e disputas para o carnaval de rua de Porto Alegre. Historicamente concentrado no Centro e na Cidade Baixa, a festa popular sofreu um esvaziamento após uma decisão da prefeitura que, em 2002, transferiu as manifestações das escolas de samba para o Complexo Cultural do Porto Seco.
A medida, justificada como uma tentativa de reorganizar a infraestrutura do evento, resultou em uma diáspora urbana do carnaval, afastando as agremiações de seus espaços tradicionais e negando à festa culturalmente negra o direito de permanência onde nasceu. Esse deslocamento forçado levou à periferização dos desfiles e ao enfraquecimento do vínculo entre o carnaval e o cotidiano da cidade.
Apesar disso, a resistência carnavalesca nunca cessou. Blocos de rua, como o Maria do Bairro e Rua do Perdão, seguiram ocupando bairros centrais, mantendo viva a tradição da folia democrática. Foi nesse cenário de retomada que, em 2008, nasceu o coletivo Turucutá. A iniciativa surgiu a partir de uma oficina de percussão no Afro-Sul/Odomode: ao final do curso, seus integrantes decidiram continuar a batucada, mas desta vez levando o som para as ruas, fortalecendo o movimento de resgate do carnaval de rua na capital.
Desde então, além do Carnaval, o coletivo mantém um grupo-show que se apresenta ao longo do ano em casamentos, aniversários e bares. Já no arrastão, a bateria reúne, em média, 70 integrantes que embalam o público com os tradicionais instrumentos das escolas de samba, como surdos, tamborins, agogôs, caixas, chocalhos e repiques. A identidade da Turucutá se destaca pela diversidade rítmica, transitando entre diferentes gêneros musicais — do samba-enredo ao axé, ijexá, maculelê, pop e pagode dos anos 90. Dentro desse repertório eclético, um dos momentos mais aguardados pelo público é a versão de Amigo Punk, clássico do rock gaúcho da banda Graforréia Xilarmônica - interpretada com uma pegada de samba-enredo própria.
"A cultura negra da cidade é um elemento fundamental do nosso trabalho", reforça Deco, membro do coletivo desde sua fundação, onde atua como vocalista e professor das oficinas. "Utilizamos instrumentos de percussão típicos das baterias de escola de samba e, ao nos inserirmos na Imperadores do Samba — um espaço historicamente negro — levamos para lá pessoas que, muitas vezes, nunca haviam pisado em uma escola de samba. Uma das maiores contribuições da Turucutá é justamente essa: conectar diferentes mundos e culturas, convidando as pessoas a ocuparem as ruas com a música e, a partir desse encontro, fortalecer laços e construir novas histórias".
Para oferecer esse momento de alegria, os custos são altos. Para que o Arrastão aconteça com organização e segurança, o grupo conta com apoiadores por meio de um financiamento coletivo. Neste ano, a opção foi uma rifa com diversos prêmios, iniciativa que também busca retribuir o carinho dos fãs que ajudam a colocar o bloco na rua. O valor arrecadado é destinado a custos estruturais, como a contratação de caminhão de som, banheiros químicos, seguranças e equipe de limpeza.
"A equipe de limpeza acompanha o bloco do início ao fim. Deixamos as ruas em melhores condições do que as encontramos, pois temos esse cuidado com o espaço público. Além disso, a segurança das pessoas é algo muito importante", acentua Artur Klassmann, membro da Turucutá desde 2011, percussionista, produtor e coordenador do bloco. "Fazer parte da Turucutá é integrar um elemento importante da cultura porto-alegrense e brasileira. É também participar de um movimento político — não no sentido partidário, mas por ocupar as ruas de forma responsável e oferecer, de maneira democrática, esse momento de descontração, liberdade e respeito a todos que estão lá curtindo a música. Mais do que um grupo, somos um movimento."