Poucas artistas, na música brasileira atual, têm apresentado em seus discos um processo tão claro de descoberta quanto Clarice Falcão. Se o trabalho de estúdio anterior, Tem Conserto (2019), fazia uso de sonoridades eletrônicas para unir o dançante e o introspectivo, o recente Truque (2023) parece solucionar, em música e poesia, os dilemas e desafios propostos anos antes - ao mesmo tempo em que resgata um pouco do humor associado à cantora e compositora desde a sua estreia em disco, com Monomania (2013). É essa artista, disposta a amarrar as pontas de si mesma e propor ao público (como ela mesma diz) "um mergulho na minha própria cabeça", que Porto Alegre vai reencontrar nesta quinta-feira, às 21h, no Bar Opinião (José do Patrocínio, 834) - um reencontro, diga-se, repleto de energia emocional, já que a apresentação foi adiada duas vezes em decorrência da tragédia climática de maio no Estado.
Ingressos para a apresentação seguem à venda no Sympla, com valores entre R$ 90,00 e R$ 180,00. A abertura da noite será com show de Papisa.
Primeiro álbum visual da cantora, com todas as faixas devidamente representadas em videoclipes, Truque acaba sendo uma versão melhor resolvida de tudo que Clarice explorou musicalmente até aqui, amarrada por uma sonoridade que, embora mais pop do que nunca, nada tem de simples. "Eu acho que cada um dos meus primeiros discos têm uma cara muito diferente, exploram lados diferentes meus. Eu acho que, até os 30 anos, a gente vai passando por muita coisa, e passando por muitas primeiras coisas", reflete Clarice, em conversa com o Jornal do Comércio. "Sinto que o Monomania tem uma coisa do primeiro amor, e depois o Problema Meu é o primeiro término, é você se entendendo depois de terminar, e sozinha, independência, você com o mundo. O Tem Conserto teve muito uma coisa de eu me entendendo comigo mesma, e falava muito de saúde mental, de entender já não mais tanto eu em relação ao mundo, mas eu e eu mesma. E eu sinto que o Truque é o disco em que tudo conversa, sabe? Eu acho que é um disco que tem um pouco de todos os lados, quase como se fechasse um círculo. Tanto de tema quanto de sonoridade também."
Truque mantém a parceria da artista com o produtor Lucas de Paiva, que já havia atuado em Tem Conserto, e explora, em suas letras, diferentes aspectos da entrega que envolve se apaixonar - incluindo aquela sensação de 'isso não vai dar certo' que acompanha (mas é incapaz de deter) amantes de todos os tipos. Dentro desse espírito, Clarice afirma que fazer vídeos de todas as faixas foi uma forma de "dar o máximo" para aquelas composições. Em cada faixa, uma Clarice diferente aparece, em uma multiplicidade que tem tudo a ver com os rumos criativos seguidos por ela. "Não sei se eu vou fazer isso de novo um dia, mas para esse disco eu quis fazer, até por ter esse tema de ilusão mesmo, de falar muito sobre a ilusão que é se apaixonar", pondera.
Conceito de ilusão, aliás, que dialoga bastante com a concepção do show que os porto-alegrenses vão assistir nesta quinta-feira. "Eu acho que é o show que eu mais dirigi, que eu falei assim, cara, quero fazer esse show lindo, sabe? Aí tem trocas de figurino, por exemplo. Eu nunca tinha feito um show com troca de figurino, todo pensadinho de movimento, sabe? Tem uma coisa ensaiada, mas também tem momentos de descontração com a plateia, porque eu lembro que o Monomania, por exemplo, era muito ensaiadinho, muito teatral. Era lindo, mas às vezes eu acho que estava meio engessada", relembra. "Problema Meu era o contrário, era completamente solto. E aí talvez você esteja se divertindo muito, mas acaba sendo um show para você e não tanto para o público. Eu acho que o Truque tem uma estrutura, mas também tem espaço para o livre, para o improviso, para falar com a plateia, para rir."
Artista múltipla, Clarice Falcão mantém carreiras paralelas como cantora, atriz e roteirista - expressões de criatividade que não apenas se complementam, mas, ela garante, dialogam o tempo todo. "Cara, eu realmente acho que uma coisa meio que vai se tomando a outra. Tudo que eu aprendo como atriz eu trago para o palco, e o que eu aprendo no palco eu levo para a atriz também. E tem a coisa de escrever também: o que eu aprendo como roteirista, escrevendo, eu trago para a compositora e para também escrever o show. Eu não gosto muito quando, em um show, você sabe que a pessoa está começando a falar e ela não sabe direito onde vai terminar, sabe? Eu tento fazer com que meu show não seja assim. Ele tem momentos de improvisação, de lidar com o público, mas, quando começa uma coisa (em cima do palco) eu sei onde ela vai dar", exemplifica.
Uma abordagem calculada - mas não menos intensa - para a emoção, que está no espírito de Truque e que também deve estar presente no palco e na plateia do Opinião. Ainda que vá ser difícil controlar os sentimentos diante de um reencontro pós-enchente tão esperado, por ela e por seus fãs. "É uma camada emotiva extra muito grande, até porque o show foi adiado duas vezes por conta disso. Então, tem essa coisa de espera, uma certa angústia, de querer estar junto. Eu sempre fui muito, muito bem recebida e eu sempre curti muito fazer show aí. Então, eu acho que vai ser uma catarse muito grande para mim, e eu estou muito feliz, de isso estar acontecendo finalmente. Quero muito dar o meu melhor, o meu máximo, porque eu sinto que isso é o que de melhor eu posso fazer."