Na música "Domingo", do Biquini Cavadão, o personagem-cantor diz que, aos domingos, a cidade “morre mais um pouco”. A cantora Liniker, no álbum Caju, também dedicou um som ao domingo. De olhos fechados, ela pede que alguém a ajude a “salvar os domingos”.
• LEIA TAMBÉM: O velório do João Batista
Eu divagava sobre essas duas músicas, também num domingo, lagarteando na Praça Nações Unidas, pensando sobre o “fazer nada” e quantas sensações esse simples gesto gera, quando um menino chegou ao playground acompanhado de quem parecia ser seu pai — um homem alto que não tirava os olhos do chão enquanto caminhava em direção a um banco.
Bastante acanhado, o guri, que não devia ter mais de sete anos, observava as outras crianças brincarem.
Ficaram ali, sentados, o homem e o menino, bons 30 minutos, sem dizerem palavra. O pai mexia no celular incessantemente, alheio a tudo, como se esperasse que o menino se misturasse às outras crianças por conta própria.
O menino balançava as pernas finas, como se quisesse se juntar à brincadeira, mas estivesse colado ao banco. Sua postura tímida parecia exigir que o homem tomasse seu lugar naquela cena.
Talvez percebendo a armadilha do pequeno, ou para se desvencilhar de si mesmo, o homem se levantou de repente e se intrometeu sorrindo numa rodinha de meninas, supervisionadas por duas mulheres.
Eu divagava sobre essas duas músicas, também num domingo, lagarteando na Praça Nações Unidas, pensando sobre o “fazer nada” e quantas sensações esse simples gesto gera, quando um menino chegou ao playground acompanhado de quem parecia ser seu pai — um homem alto que não tirava os olhos do chão enquanto caminhava em direção a um banco.
Bastante acanhado, o guri, que não devia ter mais de sete anos, observava as outras crianças brincarem.
Ficaram ali, sentados, o homem e o menino, bons 30 minutos, sem dizerem palavra. O pai mexia no celular incessantemente, alheio a tudo, como se esperasse que o menino se misturasse às outras crianças por conta própria.
O menino balançava as pernas finas, como se quisesse se juntar à brincadeira, mas estivesse colado ao banco. Sua postura tímida parecia exigir que o homem tomasse seu lugar naquela cena.
Talvez percebendo a armadilha do pequeno, ou para se desvencilhar de si mesmo, o homem se levantou de repente e se intrometeu sorrindo numa rodinha de meninas, supervisionadas por duas mulheres.
• LEIA TAMBÉM: Na esquina da minha rua tem um buteco com "u"
As mulheres se retraíram, lançando olhares ao menino, que continuava calado e sem demonstrar vontade de participar. Após alguns instantes, elas sorriram, talvez amedrontadas, talvez num gesto genuíno de domingo. Cederam. Emprestaram baldinhos e pás.
O homem tornou o corpo para o guri, que, naquele instante, deu um pulo do banco com um sorriso largo. Por um breve momento, ele tinha seu pai por completo. Mais tarde, voltaria para uma casa carente de tudo, e o homem para outra, superlotada, junto a outros homens.
Sentaram-se a brincar, como todos os outros pais e crianças. O menino tinha uma missão e estava empenhado em cobrir os pés e tornozelos do homem com areia, especialmente os tornozelos. O homem sorriu de canto, como se desenterrasse algo longínquo.
Pode ser que, nesse momento, eu estivesse lembrando de uma música do Emicida: “Metrópoles sufocam, são necrópoles que não se tocam. Então se chocam com o sonho de alguém. São assassinas de domingo a pausar tudo que é lindo.”
Olhei novamente para aquele playground, onde uma história destoava de todas as outras. Os dois homens eram o filho, e ao mesmo tempo, dois meninos eram o pai. Debaixo da terra, estavam o crime de um e o sonho do outro, numa aura cúmplice e redentora. Olhei mais uma vez, só para me certificar, e eles continuavam ali.
A cidade não morria. E o domingo estava salvo.
As mulheres se retraíram, lançando olhares ao menino, que continuava calado e sem demonstrar vontade de participar. Após alguns instantes, elas sorriram, talvez amedrontadas, talvez num gesto genuíno de domingo. Cederam. Emprestaram baldinhos e pás.
O homem tornou o corpo para o guri, que, naquele instante, deu um pulo do banco com um sorriso largo. Por um breve momento, ele tinha seu pai por completo. Mais tarde, voltaria para uma casa carente de tudo, e o homem para outra, superlotada, junto a outros homens.
Sentaram-se a brincar, como todos os outros pais e crianças. O menino tinha uma missão e estava empenhado em cobrir os pés e tornozelos do homem com areia, especialmente os tornozelos. O homem sorriu de canto, como se desenterrasse algo longínquo.
Pode ser que, nesse momento, eu estivesse lembrando de uma música do Emicida: “Metrópoles sufocam, são necrópoles que não se tocam. Então se chocam com o sonho de alguém. São assassinas de domingo a pausar tudo que é lindo.”
Olhei novamente para aquele playground, onde uma história destoava de todas as outras. Os dois homens eram o filho, e ao mesmo tempo, dois meninos eram o pai. Debaixo da terra, estavam o crime de um e o sonho do outro, numa aura cúmplice e redentora. Olhei mais uma vez, só para me certificar, e eles continuavam ali.
A cidade não morria. E o domingo estava salvo.