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Publicada em 21 de Outubro de 2024 às 15:49

Na esquina da minha rua tem um buteco com "u"

A jukebox é um dos grandes destaques do estabelecimento

A jukebox é um dos grandes destaques do estabelecimento

Juliano Tatsch/Especial/JC
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Juliano Tatsch
Juliano Tatsch Editor-assistente
Na esquina da rua da minha casa tem um buteco. Um buteco de verdade, BUteco, com “u”, não BOteco. Daqueles pé sujo mesmo, vidro com ovos de codorna em conserva sobre o balcão, prateleiras repletas de garrafas de cachaça das mais variadas marcas, baleiro giratório para quem quiser adoçar a boca entre um gole ou outro, torresmo frito na medida, cigarros, isqueiros, copinhos de martelinho lavados e pendurados de cabeça para baixo. Coisa fina.
Na esquina da rua da minha casa tem um buteco. Um buteco de verdade, BUteco, com “u”, não BOteco. Daqueles pé sujo mesmo, vidro com ovos de codorna em conserva sobre o balcão, prateleiras repletas de garrafas de cachaça das mais variadas marcas, baleiro giratório para quem quiser adoçar a boca entre um gole ou outro, torresmo frito na medida, cigarros, isqueiros, copinhos de martelinho lavados e pendurados de cabeça para baixo. Coisa fina.
O buteco hoje não tem mais nome. Antigamente, quando eu era criança, se chamava Armazém Sedemar. O Sedemar era o dono e a falta de criatividade na escolha do nome do estabelecimento era compensada com muito carisma por parte do proprietário que misturava simpatia com ranzinice, criando, assim, um personagem deveras autêntico e magnético.
Ainda recordo bem, quando, na casa dos meus 8 ou 9 anos, corria faceiro no Sedemar para comprar balas com moedinhas que minha mãe tinha me dado. Hoje eu já não vejo mais tantas crianças frequentando o bar – acho, inclusive, que nem é mais um lugar aprazível para a convivência infantil (não que, naquela época, o fosse).
O fantástico do buteco é a magia que envolve o lugar. Não importa o dia da semana, toda vez que passo em frente ao estabelecimento, tem de duas a cinco pessoas – predominantemente homens, mas também mulheres de vez em quando – sentadas nas cadeiras de praia bebericando sua cerveja, ou sua cachaça ou o seu aperitivo de preferência, ouvindo uma música aleatória qualquer, tagarelando alto e dando risadas histriônicas. O silêncio só se faz presente naquele lugar nas primeiras horas da manhã, quando o espaço fica vazio, esperando ansiosamente o correr do relógio para receber seus ilustres frequentadores.
Do lado de dentro, uma mesa de sinuca surrada, com o forro verde puído, os tacos ensebados e as redes dos buracos remendadas, sedia épicos confrontos sendo a tradicional disputa dos sábados entre os sóbrios e os ébrios o mais clássico e melhor deles.
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Nunca presenciei uma briga ali, com troca de socos e tal. No máximo, alguns xingamentos e dedos em riste que foram rapidamente abafados quando a música começou a tocar no talo. Essa é uma das estratégias do dono atual do buteco. Quando começa uma discussão mais ríspida que pode descambar para um catiripapo que outro, ele pega o controle remoto e joga lá no alto o volume do som. A partir daí, ninguém mais se escuta e os ânimos se arrefecem.
A questão da música ambiente, aliás, merece um parágrafo à parte. O buteco tem uma jukebox do lado de fora. Uma jukebox, sabe, dessas que a gente coloca uma moeda e escolhe a música que vai tocar. Só sonzeira de qualidade, daquelas que, ao soar dos primeiros acordes, um arrepio percorre a espinha de cima abaixo e se torna praticamente impossível ficar parado.
Um detalhe importante que precisa ser salientado: não ouse perguntar se tem wi-fi no estabelecimento sob risco de ser sumariamente enxotado e se tornar persona non grata. Aquele local é para conversas, risadas, olho nos olhos e não nas telas, mãos nos copos e mãos nas mãos para dançar e não nos smartphones.
Aquele buteco resiste. Resiste à modernidade, resiste à tecnologia, resiste ao avanço imobiliário, resiste ao tempo. E como é difícil resistir ao tempo, esse implacável que nos atropela, nos tira o viço, nos cobra caro e nos empurra para o ocaso final. Um passo de dança, um brinde aos amigos, uma bola 8 encaçapada perfeitamente, uma conversa despreocupada em um entardecer de verão. Resistir é possível. Resistir é preciso.

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