Juarez Fonseca, especial para JC
Que Vitor Ramil é um artista/intelectual incansável, todos os que o conhecem sabem. Mas neste ano de 2024 ele vem se superando. Para começar, enquanto pesquisava e ia escrevendo seu próximo livro, e produzindo o novo disco, acompanhou o lançamento do livro O Astronauta Lírico (Editora Hedra, 330 páginas, R$ 76,40), aprofundado volume biográfico que sobre ele escreveu o ensaísta e sociólogo Marcos Lacerda. Em seguida, teve lançada a edição em LP de Ramilonga. No meio disso, shows em Curitiba, Caxias do Sul, Brasília, Punta del Este, São Paulo... No último dia 10, distribuiu o novo álbum, Mantra Concreto (Satolep Discos, R$ 40,00 no site www.vitorramil.com.br), nas plataformas digitais. E no próximo 24, às 21h, tem o show de lançamento no Salão de Atos da Pucrs, em Porto Alegre. Depois Rio, Macapá (!), Juiz de Fora...
Tá bom assim?
Pois nas 330 páginas de O Astronauta Lírico o minucioso Lacerda praticamente concentra as vidas pessoal e pública de Vitor. Se estende em detalhes e interpretações como se psicanalizasse o personagem e sua obra. "É possível um artista de tamanha envergadura ser encerrado numa perspectiva ou numa persona artística?", pergunta, já quase ao final. Segue: "Parece que quanto mais o artista busca uma unidade, mais encontra multiplicidade". Entre tantos e tantos momentos, o biógrafo se encantou com o Barão de Satolep, dedicando bom espaço ao personagem criado por Vitor no final dos anos 1980 - e logo abandonado. "Lacerda tem muita capacidade de pesquisa", resume o biografado. "Muita gente acaba descobrindo coisas minhas com a leitura do livro."
A partir de 2019 o paulista Lacerda viajou tantas vezes até Satolep/Pelotas para pesquisar e conversar com Vitor, que simpatizou com a cidade e se mudou para lá - hoje leciona na UFPel. Nesse tempo, pode ver o processo de criação dos futuros livro e disco de Vitor. O livro vai se chamar A Estética do Frio e deve sair em 2025. É sobre um tema recorrente em sua cabeça: as questões identitárias do Sul. "Li muitos livros daqui, do Uruguai, da Argentina, comecei a fazer anotações durante a pandemia. Vai ser um ensaio longo", conta. Vem polêmica por aí? "Quando a gente toca em questões de identidade do gaúcho, acaba sempre sendo algo polêmico", antecipa.
Já o surgimento em LP do icônico Ramilonga - A Estética do Frio nada tem de polêmico. O CD lançado em 1997 apresentou a milonga para um novo público no Brasil. Em 2022, remixado e remasterizado, voltou encartado em um caderno de anotações para comemorar 25 anos. O LP, lançado três meses atrás pelo selo Noize, maior clube de vinil da América Latina, tem uma edição luxuosa, mostrando que Ramilonga coube muito bem nesse antigo-novo formato. Pena que a edição de 9 mil exemplares está esgotada. Para dar uma ideia, o selo (da ótima revista Noize) já lançou 88 LPs, de gente como Nara Leão, Belchior, Tim Maia, Marisa Monte, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Gil, Gal, Elza Soares, Céu, Liniker, Luedji Luna...
E quando Lacerda escreveu sobre unidade e multiplicidade, mesmo sem querer parecia antecipar Mantra Concreto - desde a capa o mais "diferente", dos 13 álbuns de Vitor. Também é o terceiro trabalho em que compõe sobre poemas de outros. No caso, aqui, o cult poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Durante a pandemia (olha ela de novo), ele lia um livro de Leminski quando o poema Sujeito Indireto subitamente se materializou como música em sua cabeça. "Quem dera eu achasse um jeito/ de fazer tudo perfeito,/ feito a coisa fosse o projeto/ e tudo já nascesse satisfeito...", começa o poema/letra. E assim seguiu: durante dez dias, os versos foram "baixando" em canções até que 13 estivessem musicados (olha o 13 de novo).
Mantra Concreto tem como base a milonga, ora explícita, ora disfarçada em outros ritmos, até o rock. Com inauditos arranjos tramados por Vitor e seu ótimo violão, o percussionista Alexandre Fonseca (que toca até máquina de escrever) e o baixista Edu Martins (seu baixo sintetizador tem grande presença), as gravações se realizaram em seis cidades, de Porto Alegre ao Rio e Buenos Aires. Participam Vagner Cunha (violino), André Gomes (sitar, guitarra slide), Toninho Horta (guitarra), Carlos Morcardini (violão) e outros. As informações estão todas no encarte do disco, inclusive a história da capa de Felipe Taborda, inspirada no construtivismo russo.
Enfim, Vitor Ramil não cansa de se reinventar. Nunca deu bola para modismos, mas aqui parece mais fora-da-ordem do que nunca. Até sua voz soa distinta. Embora cada música tenha cara própria, o álbum resulta em perfeita unidade, há uma estrutura ideológica pautando tudo, até sugerida por títulos como Administérios, Minifesto, Caricatura, Anfíbios, Profissão de Febre (trecho da letra: "Quando chove eu chovo/ Faz sol eu faço/ De noite anoiteço/ Tem deus eu rezo/ Não tem esqueço"). São 15 faixas, duas compostas anos atrás por Vitor, que já gravara O Velho Leon e Natália em Coyoacán no CD Tambong. E como os últimos discos tiveram letras de outros, ele tem armazenada uma boa safra de canções 100% próprias. Mais surpresas?
@ Livro “Vitor Ramil – O astronauta lírico”, editora Hedra, 330 pgs, R$ 76,40.
@ CD “Mantra Concreto”, Satolep Discos, R$ 40 no site www.vitorramil.com.br e no show do dia 24 no Salão de Atos da PUC (21h, ingressos na plataforma Sympla)
@ CD “Mantra Concreto”, Satolep Discos, R$ 40 no site www.vitorramil.com.br e no show do dia 24 no Salão de Atos da PUC (21h, ingressos na plataforma Sympla)