Dia desses, enquanto lavava uma louça, num final de manhã, me peguei tendo um insight sobre quanto gosto de estar na cozinha e de preparar algum prato sem compromisso. É uma terapia e um momento de relaxamento no dia.
Mas é claro que eu não cozinho como a minha mãe. E nem poderia. Filha de italianos que começou criança nas lidas culinárias, sob a tutela da minha avó, ela era fora da curva à frente do fogão. Para doces ou salgados.
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A mãe dominava aquele ambiente. Na minha adolescência, ela passava dias inteiros, avançava pelas noites, dormia algumas horas e voltava à cozinha pra preparar uma variedade de pratos para receber familiares ou amigos nas festas que fazia questão de organizar.
E adorava misturar ingredientes, criar temperos carregados de sabores e histórias sobre como havia aprendido cada combinação. Escreveu dezenas dessas receitas num livro, à mão livre. O segredo era o tempero. Tinha de ser “robusto”. Tinha de carregar no molho da macarronada. Sem economizar.
E assim, também ajudou meu pai – outro italiano de origem - a ganhar uns bons quilinhos após o casamento. Ele era fã de um bom prato, saboreava tudo até a última migalha do que a mãe preparava. Mas também aprendeu a “se virar nos 30” para receitas básicas, já que muito cedo ficou órfão de mãe.
Era introvertido, como eu. E se divertia em silêncio, olhando as panelas no fogo, os aromas se misturando. E o molho, espesso, borbulhando.
Era introvertido, como eu. E se divertia em silêncio, olhando as panelas no fogo, os aromas se misturando. E o molho, espesso, borbulhando.
Comer, aliás, foi um dos poucos prazeres que ele preservou até o último limite. Quando os médicos avisaram que haviam chegado a encruzilhada e a hora de decidir por entrar na dieta controlada ou “antecipar a partida”, até o brilho nos olhos diminuiu. Aceitou, contrariado. E aproveitava as raras saídas de linha com entusiasmo, saboreando, de olhos fechados, cada garfada.
Ela, a mãe, também precisou restringir o sal e os temperos. Sim, os temperos. E foi perdendo o interesse por comida, porque, afinal, não tinham o mesmo sabor.
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Mas, voltando ao tema lá de cima, acho que aprendi com eles a – pelo menos na cozinha – não ter medo de arriscar. Vou misturando, combinando, acrescentando aqui e ali. Sem experimentar. O melhor é saber o resultado só no final. Uma ousadia que minha mulher não aceita lá muito bem. Então, me arvoro mais livremente quando ela viaja e estou “dono do campinho”.
E, naquele momento, quando me peguei curtindo a cozinha, também percebi que aquele ambiente me trazia lembranças. Dos pratos e dos temperos. Da mãe e do pai. E da saudade que dá.
O tempo não tem marcha à ré.
Agora é pegar aquele livro com receitas já meio apagadas. E ter coragem de arriscar reproduzir.