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Publicada em 24 de Setembro de 2024 às 13:52

Cidade pequena, cidade grande

É nos bairros, nas ruas simples, que a vida pulsa na cidade

É nos bairros, nas ruas simples, que a vida pulsa na cidade

LUIZA PRADO/JC
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Juliano Tatsch
Juliano Tatsch Editor-assistente
Recentemente, um dia desses, saí para comprar um cobertor (um parêntese: como é difícil encontrar um cobertor pesado, daqueles que a gente se cobre e só consegue se levantar com a ajuda de um guindaste. Vivemos a época dos edredons leves). Era uma tarde de quarta-feira. Não encontrei o cobertor que eu queria (apenas edredons leves) e voltava para casa um tanto triste por ter de passar frio mais uma noite.
Recentemente, um dia desses, saí para comprar um cobertor (um parêntese: como é difícil encontrar um cobertor pesado, daqueles que a gente se cobre e só consegue se levantar com a ajuda de um guindaste. Vivemos a época dos edredons leves). Era uma tarde de quarta-feira. Não encontrei o cobertor que eu queria (apenas edredons leves) e voltava para casa um tanto triste por ter de passar frio mais uma noite.
Como estava com tempo de sobra – era um dos últimos dias das férias – resolvi fazer um caminho diverso até o meu apartamento. Lá estava eu caminhando despreocupadamente por ruas com muitas casas e poucos prédios quando, ao olhar ao acaso para o lado, vi algo que há muito não via durante minhas andanças por Porto Alegre: uma criança pulando corda.
Uma menina. Dez anos, no máximo. Sozinha. No pátio de casa. Pulando corda. Qual a última vez que você viu uma criança pulando corda? Até me emocionei. De verdade. Coisa linda de se ver.
Aquela menina estava concentrada em sua atividade. Atenta, chegava a fazer até um que outro malabarismo, cruzando os braços e exigindo de si mesma um nível de concentração digno de uma atleta olímpica saltando sobre a trave em uma prova de ginástica artística.
Segui caminho pensando em quantas coisas deixamos de ver e quantas coisas deixam de existir para nós quando as deixamos de ver. Eu não achava que crianças ainda pulavam corda. Mas elas pulam. Menos que antes? Certamente. Mas ainda o fazem.
Segui minha direção. Logo adiante, sentado em uma cadeira de palha na varanda, um senhor idoso tomava chimarrão enquanto ouvia as notícias no rádio a pilhas que tinha no colo. Ele me fez um gentil aceno com a mão, o qual eu retribuí. Quis parar e conversar com ele um pouco, quem sabe compartilhar o mate, falar sobre a vida ou sobre qualquer coisa. Aquele senhor idoso certamente teria boas histórias para contar. Mas eu não as ouvi. Estava com pressa. Estamos sempre com pressa.
Existe uma cidade pequena dentro da cidade grande. Uma cidade que se esconde das grandes vias, que espreita as largas avenidas, que observa de soslaio o vaivém dos carros e que vive uma vida mais calma, que respira um ar mais fresco, que vê as horas passarem sem tanta pressa.
A cidade das ruas, becos e vielas. Onde as pessoas se conhecem pelo nome e caminham em passos serenos. Onde a casinha do chaveiro resiste e o vendedor de rapaduras bate palmas na frente dos portões em busca de mais uma venda.
Uma cidade onde se pode ouvir o ladrar dos cães de rua, onde os moradores sabem o nome do carteiro, onde o dono do mercadinho vende fiado anotando em um caderninho as compras de cada um, onde os vizinhos conversam escorados no muro, onde a gurizada joga taco no meio da rua. Uma cidade onde crianças pulam corda.
Quantas coisas ainda são feitas, quantas brincadeiras, quantos hábitos antigos, quantas memórias, ainda vivem nas estreitas ruas da metrópole?
Não pensamos muito nisso, porque sequer temos tempo para fazê-lo. Passamos boa parte dos nossos dias dentro carros e ônibus, em filas, escritórios, repartições públicas, salas de aula ou shoppings centers. Vivemos sentados em frente a um computador ou vidrados na tela do telefone celular. Preparando planilhas, fazendo cálculos ou em famigeradas reuniões de trabalho (um mal do nosso século que merece um texto só para elas). Movidos a café ou medicamentos, esperando a tele-entrega chegar com o almoço ou com a janta. Cuidando dos filhos, limpando a casa ou brigando com familiares no grupo do WhatsApp.
Fiquei pensando nisso todo o resto do caminho até a minha casa. Só parei quando cheguei, fiz um café, liguei o notebook e entrei em uma discussão com parentes raivosos no WhatsApp. Essa vida moderna, tão bom fugir dela, tão difícil fazê-lo.

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