Há seis anos, quando se aproxima a data em que minha avó me deixou, eu sempre tenho a mesma frase na cabeça: “a única coisa que a senhora deixou nessa vida que eu queria era um caderno.”
Um caderno pequeno que não devia ter 50 folhas, de espiral metálica e capa bem velhinha. Nas folhas dele, estão anotados o telefone da fulaninha de André da Rocha, cidade em que a dona Lindaci morou por anos, e o celular da tia que mudou de número. Talvez eu achasse senha do Wi-Fi de 10 anos atrás, de uma rede que nem existe mais.
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Mas a minha maior ambição por este caderno não é só a letra da minha avó. Dentro daquele caderno velhinho, ela anotava todas as suas receitas. Muitas delas, dos bolos mais deliciosos que já comi. A receita da cuca que ninguém mais acerta e todos os doces que fizeram parte da minha infância. São todos os primeiros 18 anos da minha vida nas páginas daquele caderno, em forma do afeto que ela deixava em cada receita.
Quando minha avó se foi, não fui em sua casa tirar suas coisas. Minha irmã era muito novinha, preferi ficar com ela em casa, mas aquele também não era um momento para mim, já que meu avô e os três filhos da minha avó precisavam viver aquele momento.
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Quando voltei à casa, que ainda é dela, mas não a tem mais, procurei por todos os cantos o tal caderninho da capa velha e espiral de metal. Procurei pela letra em um papel dobrado que fosse.
Nada.
Não achei nada.
De lá para cá, passaram-se seis anos e ainda não sei onde foi parar o tal caderno. Talvez quando me mudar, eu recomece a tradição das receitas escritas no papel. No fim de tudo, só o que me sobrou da minha avó foi a receita do muffin de banana, mas não deu tempo de ela me ensinar a fazer o bolo de cenoura que eu tanto amava. Ao longo de cinco anos, testei várias receitas. Algumas deram certo, outras nem tanto. Por mais saborosos que fossem, entendam, nunca vai ser o dela, mas, quem sabe, esse é o pontapé inicial de um novo caderninho. Feito por mim. Em memória à senhora. Nosso.