Realizador com uma trajetória profundamente conectada com o Festival de Cinema de Gramado, Jorge Furtado terá, na noite desta sexta-feira (16), a oportunidade de receber o carinho e o reconhecimento daqueles que encantou com sua arte. O diretor e roteirista está no Festival para receber o Troféu Eduardo Abelin, e ainda por cima verá a sessão fora de competição de Virgínia e Adelaide, longa dirigido em parceria com Yasmin Thainá. Demonstrando emoção, o realizador reforçou que "o cinema é a arte do encontro, dentro e fora das salas de exibição", e celebrou o espaço que tanto marcou sua trajetória criativa, desde a consagração e 10 minutos de aplausos de pé para Ilha das Flores, em 1989.
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"A gente fazia filmes para Gramado, eu tinha uma moviola e ficávamos às vésperas do festival fazendo filmes para tentar exibir em Gramado", relembrou Furtado, em entrevista coletiva. "Estar aqui é um prazer, e eu queria fazer um elogio a Gramado, porque a gente está debaixo de um perrengue que vocês não têm noção, nenhum de nós imaginava que existia tanta água (enchentes de maio deste ano). Cada um de nós tem algum parente ou amigo atingido, então queria agradecer a todos que vieram (ao Festival). Eu estou muito feliz de estar aqui, exibindo o filme e encontrando as pessoas", celebrou.
A homenagem em Gramado acaba tendo especial sabor, também, pelo reconhecimento a um cineasta que, por mais que tenha feito sucesso nacional com obras como Meu Tio Matou um Cara, O Homem que Copiava e Saneamento Básico - O Filme, nunca deixou de residir - e fazer cinema - em Porto Alegre. "Quando criamos a (produtora) Casa de Cinema de Porto Alegre, a ideia era viver em Porto Alegre fazendo cinema, porque a pessoa fazia um filme e ia finalizar em São Paulo ou no Rio de Janeiro", recorda "Acho que administrei bem isso (de seguir morando no RS). Aqui eu conheço bem as coisas, acho que posso fazer algo mais interessante aqui na minha terra."
Jorge Furtado chegou a lembrar de um incidente hoje folclórico, quando recebeu o telefonema de um produtor espanhol. "Ele disse 'eu sei que seu tempo é precioso e o meu também, então vou direto ao assunto e quero uma resposta direta: você quer dirigir um filme nos Estados Unidos?' E eu respondi na hora: 'Não'", revelou, arrancando gargalhadas dos presentes. "Se ele tivesse feito a pergunta diferente, 'você quer fazer um filme do Bob Dylan?' ou algo assim, eu talvez tivesse respondido outra coisa. Mas o que é que eu quero indo para os EUA para dirigir? Eu quero dirigir em Bento Gonçalves, está mais do que bom", acrescentou, rindo.
Virgínia e Adelaide retrata a vida de Virgínia Leone Bicudo (Gabriela Correa), mulher negra que foi a primeira psicanalista do Brasil, e seu encontro com Adelaide Koch (Sophie Charlotte), judia fugida da perseguição nazista. Além desse longa, Jorge Furtado é um dos roteiristas do muito aguardado O Auto da Compadecida 2, dirigido por Guel Arraes e que chega aos cinemas em 25 de dezembro. Mesmo com muito trabalho pela frente, Furtado manifestou um certo temor sobre o futuro do cinema brasileiro - ainda que temperado com generosas doses de esperança. "Hoje vivemos os tempos do (aplicativo social) TikTok, que não é arte nem entretenimento, é distração: um gato caindo na escada, uma criança chupando limão, tudo passando ali na sua frente e daqui a pouco acaba. A gente, que cresceu formado pela experiência do cinema, sabe que a gente não sai a mesma pessoa depois de assistir um Lawrence da Arábia, e essa experiência talvez esteja se perdendo. Espero que não, e acho que não", ponderou.
O que não pode se perder, segundo Jorge Furtado, é a capacidade do cinema em unir pessoas em torno de uma boa história. "O cinema é a arte do encontro, na tela e na sala de projeção. E isso (fim do cinema) é algo que espero que nunca aconteça", afirmou, com a voz embargada e debaixo de aplausos.