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Publicada em 16 de Agosto de 2024 às 12:55

Opinião: apesar dos tropeços, 'Barba Ensopada de Sangue' é bom filme a serviço de uma boa história

Novo filme de Aly Muritiba teve estreia nacional na mostra competitiva do 52º Festival de Cinema de Gramado

Novo filme de Aly Muritiba teve estreia nacional na mostra competitiva do 52º Festival de Cinema de Gramado

CLEITON THIELE/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
De Gramado
De Gramado
Às vezes, tudo de que precisamos é um bom filme. Afinal, o que é o cinema senão a oportunidade de sentar na poltrona, mergulhar na tela e no som e deixar-se levar por uma boa história? Desde o início, sabia-se que Barba Ensopada de Sangue, novo longa de Aly Muritiba, teria uma boa história para contar - afinal, o livro de Daniel Galera que serviu de base ao roteiro é uma das obras mais marcantes da recente literatura brasileira. Talvez o resultado final na telona não seja o potencial clássico do cinema brasileiro que alguns antecipavam (eu, pessoalmente, não acho que seja), mas grandes obras literárias também podem resultar em dolorosos fracassos em forma de película, e isso não passa nem perto de ser o caso. Capturando muitos dos principais elementos da obra de Galera, e dando a eles um tratamento e interpretação coerentes com sua assinatura de diretor, Muritiba consegue criar um filme que conta muito bem a sua história - embora não esteja livre de ressalvas.
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O longa explora o impacto da presença de Gabriel (Gabriel Leone, em muito boa atuação) em uma pequena cidade de pescadores do litoral de Santa Catarina, assombrada pelas memórias em torno do avô do forasteiro, apelidado Gaudério e cuja simples menção provoca ódio e repulsa entre os moradores. Gabriel, jovem cheio de rancores que recentemente perdeu o pai e está rompido com o irmão, está lá para vender a casa que pertenceu ao avô, e para tentar entender parte dos mistérios que envolvem sua família. Enquanto começa a se envolver com uma agente de turismo local, Jasmin (Thainá Duarte), o 'neto do Gaudério' vê a hostilidade daquela comunidade assumir contornos cada vez mais perigosos, em um clima de mistério e um toque de sobrenatural.

De forma compreensível, Aly Muritiba tomou algumas liberdades com relação ao livro de Galera - uma das principais, sem dúvida, foi excluir todo o preâmbulo da história, na qual o pai dá as coordenadas básicas para a busca que o filho exercerá dali para frente. A sequência chegou a ser rodada, com Nelson Diniz no papel do pai, mas foi excluída dos cortes finais. É uma opção arriscadíssima, mas que funciona razoavelmente bem, na medida em que centraliza a ação no ambiente litorâneo e segura o foco do espectador nos dramas e mistérios que ali ocorrem. Da mesma forma, a decisão de transformar a comunidade inteira em antagonista (algo que está no livro, mas em uma dimensão bem menos drástica) contribui para o clima de suspense e constante ameaça, deixando quem assiste em constante estado de alerta. O relativo esvaziamento da função de Beta, a simpática cachorrinha malhada que acompanha Gabriel na jornada, talvez tire do filme alguns momentos de charme e alívio cômico (e de algumas agonias também), mas é compreensível diante das escolhas estéticas e narrativas do diretor.

Um dos maiores desafios de transformar Barba Ensopada de Sangue em filme está, justamente, em um de seus maiores méritos: a impactante cena na qual Gabriel, no auge das hostilidades contra si, deixa-se possuir pelo papel de Neto do Gaudério. É uma sequência primorosa, dotada de brutal beleza e apuro estético, na qual Gabriel Leone atinge um dos momentos máximos de sua carreira até aqui - e que cria ao filme um problema, na medida em que ainda há muito a ser dito e contado depois desse clímax. Diante dessa necessidade, Aly Muritiba optou por uma condução bastante conservadora nas cenas finais, com um sabor inequívoco de seriados para streaming - além de um desfecho que, na telona, parece apressado e esvaziado da potência simbólica e espiritual desejada. Nem tudo que amarra bem em texto, amarra bem na tela - e o final do filme acaba ficando aquém do bom (por vezes, excelente) resultado do restante da película.
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Um comentário adicional deve ser feito ao uso quase inexistente da prosopagnosia, condição portada por Gabriel, dentro do esforço narrativo. Uma espécie de cegueira facial, a doença impede o portador de fixar fisionomias e reconhecer adequadamente as pessoas, mesmo parentes ou amigos próximos - uma condição que, dentro da opção de Muritiba por um filme de suspense, trazia potencialidades visuais muito interessantes para direção e fotografia. Nada disso: fora alguns detalhes no começo da trama, e um momento no qual Gabriel explica a enfermidade para Jasmin, a cegueira facial do protagonista simplesmente não existe no filme. É possível que Muritiba tenha optado por simplificar as coisas, pensando em um produto mais palatável para distribuição nas plataformas e menos complexo para a compreensão do espectador - mas a tristeza das oportunidades perdidas sempre me persegue, e devo dizer que esse não-aproveitamento diminui um pouco, aos meus olhos, o impacto de Barba Ensopada de Sangue.

Ressalvas necessárias, mas que não devem ser usadas como argumentos para que as pessoas se ausentem dos cinemas. Barba Ensopada de Sangue é um bom filme, de narrativa bem construída e inegável competência técnica, que mais do que justifica o tempo investido sentado na poltrona. Em um cinema brasileiro que vai deixando cada vez mais os bons enredos de lado (e de um Festival de Gramado no qual, em muitos momentos, o subtexto político parecia determinado a gritar mais alto que tudo na tela do cinema), há algo de revigorante em simplesmente assistir uma história bem contada, um filme em que uma boa direção e bons técnicos, atores e atrizes estão a serviço de um roteiro que oferece bom entretenimento de uma ponta a outra da projeção. Barba Ensopada de Sangue é assim, e está de muito bom tamanho. É só não ir para a sala de projeção esperando ver o livro na telona que, para o apreciador regular de cinema, tudo estará bem.

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