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Publicada em 15 de Agosto de 2024 às 13:12

Opinião: filme rachado em dois, 'Cidade; Campo' sofre pela falta de coesão

Longa dirigido por Juliana Rojas discute a relação entre o urbano e o telúrico, a partir de duas histórias distintas

Longa dirigido por Juliana Rojas discute a relação entre o urbano e o telúrico, a partir de duas histórias distintas

EDISON VARA/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
É bem provável que a diretora Juliana Rojas e sua equipe de produção não tenham pensado o longa Cidade; Campo, selecionado para a mostra competitiva de longas nacionais do 52º Festival de Cinema de Gramado, como duas obras completamente separadas. No entanto, para o bem e para o mal, é isso que encontramos na tela: duas histórias completamente distintas, que não se conectam em quase nada e que, para ser sincero, pouco ou nada acrescentam em sentido uma à outra. Temos, no fim da contas, dois médias-metragens, um cheio de qualidades, outro desconjuntado e pouco emocionante - e é essa natureza cindida que igualmente racha ao meio a experiência cinematográfica, tanto do ponto de vista objetivo quanto sensorial, deixando o espectador confuso a respeito do que, no fim das contas, o longa desejava alcançar.
É bem provável que a diretora Juliana Rojas e sua equipe de produção não tenham pensado o longa Cidade; Campo, selecionado para a mostra competitiva de longas nacionais do 52º Festival de Cinema de Gramado, como duas obras completamente separadas. No entanto, para o bem e para o mal, é isso que encontramos na tela: duas histórias completamente distintas, que não se conectam em quase nada e que, para ser sincero, pouco ou nada acrescentam em sentido uma à outra. Temos, no fim da contas, dois médias-metragens, um cheio de qualidades, outro desconjuntado e pouco emocionante - e é essa natureza cindida que igualmente racha ao meio a experiência cinematográfica, tanto do ponto de vista objetivo quanto sensorial, deixando o espectador confuso a respeito do que, no fim das contas, o longa desejava alcançar.
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A narrativa de Cidade; Campo toma como base a relação entre o humano e o universo telúrico, ferido pelo capitalismo exploratório - e que se manifesta tanto de forma concreta, em pessoas que se deslocam entre o urbano e a natureza, quando em uma dimensão onírica, de fantasmas e elementais da natureza. É um alicerce que, se bem explorado, se presta a cinema de boa qualidade - e é exatamente o que ocorre na primeira parte, que conta a história da trabalhadora rural Joana, que precisa deixar o campo e reconstruir a vida na metrópole após o rompimento de uma barragem. Fernanda Vianna conduz esse papel de forma belíssima, em um tocante processo de encontro de uma nova família junto às trabalhadoras de um aplicativo para diaristas, e suas interações com o neto Jaime (Kalleb Oliveira) são um dos pontos altos de todo o filme. A busca da lógica da terra em meio ao concreto rende belos momentos (como na bonita cena em que Joana coloca os pés em um pequeno punhado de terra em um canteiro para temperos), e as infiltrações sobrenaturais dialogam adequadamente com o avanço da trama. Tudo é bem dirigido, montado e fotografado com cuidado, e o resultado são cerca de 45min que amarram e encantam o espectador.

Fosse o filme resumido a essa primeira parte, boa parte dos objetivos cinematográficos e discursivos teriam sido atingidos com louvor, e certamente a reação na saída do cinema seria amplamente positiva. Mas ainda há toda a segunda parte, todo o segundo filme dentro do filme - e é aí onde a maior parte dos méritos de Cidade; Campo acaba se perdendo. Essa segunda trama traz o casal Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer), que abandonam o urbano para assumir a fazenda que Flávia herdou do pai recém falecido. A ideia, ao que parece, é que esse rompimento forçasse uma jornada intensa de reencontro dessas duas mulheres com suas histórias e ancestralidades - mas essa intenção acaba desaparecendo em uma complexa (e descosturada) sucessão de aparições, descobertas, alucinações e experiências com ayahuasca.
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Seria natural que a viagem do casal envolvesse uma busca e, em consequência, um caminho. Mas bastam poucos minutos para que não se saiba mais o que Flávia e Mara possam, no fim das contas, estar tentando encontrar; ao contrário, é muito mais como se elas fossem submetidas aos eventos, e o resultado da jornada fosse decidido pelo grande pensamento fora da tela (ou seja, a diretora), e não por elas. Incapazes de andar pelas próprias pernas dentro da trama, as duas tomam decisões incoerentes (como Mara, que decide ir embora e, do nada, reaparece para o desfecho) e assistem um sobrenatural que parece, no fundo, mais importante do que as personagem que, provocadas por ele, deveriam encontrar algum significado conceitual ou de dramaturgia.

Unindo as duas história, há apenas um breve episódio na primeira parte, que há de passar despercebido pela maioria do público, caso não estejam prestando atenção. Fora essa tênue conexão narrativa, os dois universos de Cidade; Campo estão irremediavelmente separados, tanto em termos de trama, quanto em potencial cinematográfico. Cortado ao meio pela pandemia (com direito a um surto dentro da equipe e atraso de mais de um ano afetando, em especial e não surpreendentemente, a segunda parte), o filme acaba não conseguindo encontrar a si mesmo, e espalha sua confusão para fora da tela. No fim das contas, temos um filme que permanece no espectador não como a suave revelação da primeira parte, mas como o desencaixe disperso e quase exasperante da segunda. Uma pena, de verdade.

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