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Publicada em 13 de Agosto de 2024 às 13:56

Opinião: Faroeste sobre homens patéticos, 'Oeste Outra Vez' tem estreia elogiada no Festival de Gramado

Longa dirigido por Erico Rassi foi exibido na mostra competitiva de Gramado nesta segunda-feira (12)

Longa dirigido por Erico Rassi foi exibido na mostra competitiva de Gramado nesta segunda-feira (12)

TICIANE DA SILVA/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Igor Natusch
Igor Natusch Editor de Cultura
De certa forma, o longa Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, encontra seu desfecho na primeira cena, enquanto ainda estão rolando os créditos iniciais. Dois homens, Totó e Durval (interpretados de forma magistral por Ângelo Antônio e Babu Santana) brigam de forma grotesca no meio de uma rua de chão batido, enquanto a mulher que disputam (Tuanny Araújo), cansada da palhaçada, simplesmente sai do carro, vira as costas e vai embora - para nunca mais voltar, nem na vida dos dois homens, nem no filme em si. E é a partir desse resumo de rara felicidade cinematográfica que o longa, exibido na segunda-feira (12) dentro da mostra competitiva do 52º Festival de Cinema de Gramado, constrói seu faroeste brasileiro nos grotões de Goiás: mais do rudes, os homens que duelam são patéticos, mergulhados em uma violência que surge, acima de tudo, da incapacidade de lidar com as próprias emoções. A quase completa ausência de mulheres em cena (após a cena de abertura, não surge sequer uma figurante em todo o restante do filme) é uma forma astuta de subversão do western clássico, no qual as personagens femininas (com exceções, é óbvio) ou são mocinhas delicadas e submissas, ou estão a serviço dos homens nos prostíbulos ou salooms - ou seja, são pouco mais que penduricalhos em enredos amarrados à pretensa coragem e força dos pistoleiros masculinos. Erico Rassi exacerba essa situação, eliminando totalmente as mulheres de cena - uma decisão que, de forma paradoxal, faz com que elas ganhem importância fundamental na lógica do filme. É em nome delas que os brutos personagens contratam pistoleiros (um deles, em interpretação excelente de Rodger Rogério, se torna companheiro de Totó em uma fuga pela terra desolada), brigam, atiram, matam e morrem, movidos a cachaça barata, sal e fatias de limão. Há um vazio em cena, e é esse vazio que move a violência igualmente vazia de significado dos duelistas em cena. Tudo é grosseiro, melancólico e à deriva, nesse mundo no qual o feminino deixou de ter lugar, no qual o machismo bruto e emburrecido devora tristemente a própria cauda.A violência de Oeste Outra Vez, aliás, tem tudo a ver com essa construção. Longe da perícia que define as hierarquias nos clássicos do gênero, o faroeste aqui é protagonizado por atiradores incompetentes, que desperdiçam balas de forma por vezes quase ridícula, em nome de mulheres que não estão e não estarão mais lá. A estética cuidadosa do longa, que constrói meticulosamente cenários de desleixo e abandono, reforça ainda mais a percepção de quase desalento em torno dos duelos em cena: não há heróis apertando o gatilho, e nenhuma bala é capaz de trazer qualquer tipo de redenção. Tudo isso devidamente reforçado por uma edição que (aí sim) se apega ao melhor do western: a noção de ritmo é magistral, nenhuma cena se arrasta, os diálogos têm uma concisão irretocável, nenhum corte está fora do lugar.Mais do que o melhor filme do Festival de Cinema de Gramado até aqui, Oeste Outra Vez é um triunfo cinematográfico em si mesmo, e possivelmente um dos longas de faroeste mais interessantes produzidos nos últimos anos, em qualquer lugar do mundo. Em uma medida exata de referência e subversão aos elementos constituintes do western, o trabalho assinado por Erico Rassi (mas realizado, como o próprio frisou durante coletiva em Gramado, com uma equipe de produção quase 70% feminina) revela o fracasso dos homens abandonados aos próprios - e estúpidos - códigos de macheza e consegue achar caminho para um comentário social muito mais profundo do que talvez pudesse parecer à princípio.
De certa forma, o longa Oeste Outra Vez, de Erico Rassi, encontra seu desfecho na primeira cena, enquanto ainda estão rolando os créditos iniciais. Dois homens, Totó e Durval (interpretados de forma magistral por Ângelo Antônio e Babu Santana) brigam de forma grotesca no meio de uma rua de chão batido, enquanto a mulher que disputam (Tuanny Araújo), cansada da palhaçada, simplesmente sai do carro, vira as costas e vai embora - para nunca mais voltar, nem na vida dos dois homens, nem no filme em si. E é a partir desse resumo de rara felicidade cinematográfica que o longa, exibido na segunda-feira (12) dentro da mostra competitiva do 52º Festival de Cinema de Gramado, constrói seu faroeste brasileiro nos grotões de Goiás: mais do rudes, os homens que duelam são patéticos, mergulhados em uma violência que surge, acima de tudo, da incapacidade de lidar com as próprias emoções.

A quase completa ausência de mulheres em cena (após a cena de abertura, não surge sequer uma figurante em todo o restante do filme) é uma forma astuta de subversão do western clássico, no qual as personagens femininas (com exceções, é óbvio) ou são mocinhas delicadas e submissas, ou estão a serviço dos homens nos prostíbulos ou salooms - ou seja, são pouco mais que penduricalhos em enredos amarrados à pretensa coragem e força dos pistoleiros masculinos. Erico Rassi exacerba essa situação, eliminando totalmente as mulheres de cena - uma decisão que, de forma paradoxal, faz com que elas ganhem importância fundamental na lógica do filme. É em nome delas que os brutos personagens contratam pistoleiros (um deles, em interpretação excelente de Rodger Rogério, se torna companheiro de Totó em uma fuga pela terra desolada), brigam, atiram, matam e morrem, movidos a cachaça barata, sal e fatias de limão. Há um vazio em cena, e é esse vazio que move a violência igualmente vazia de significado dos duelistas em cena. Tudo é grosseiro, melancólico e à deriva, nesse mundo no qual o feminino deixou de ter lugar, no qual o machismo bruto e emburrecido devora tristemente a própria cauda.

A violência de Oeste Outra Vez, aliás, tem tudo a ver com essa construção. Longe da perícia que define as hierarquias nos clássicos do gênero, o faroeste aqui é protagonizado por atiradores incompetentes, que desperdiçam balas de forma por vezes quase ridícula, em nome de mulheres que não estão e não estarão mais lá. A estética cuidadosa do longa, que constrói meticulosamente cenários de desleixo e abandono, reforça ainda mais a percepção de quase desalento em torno dos duelos em cena: não há heróis apertando o gatilho, e nenhuma bala é capaz de trazer qualquer tipo de redenção. Tudo isso devidamente reforçado por uma edição que (aí sim) se apega ao melhor do western: a noção de ritmo é magistral, nenhuma cena se arrasta, os diálogos têm uma concisão irretocável, nenhum corte está fora do lugar.

Mais do que o melhor filme do Festival de Cinema de Gramado até aqui, Oeste Outra Vez é um triunfo cinematográfico em si mesmo, e possivelmente um dos longas de faroeste mais interessantes produzidos nos últimos anos, em qualquer lugar do mundo. Em uma medida exata de referência e subversão aos elementos constituintes do western, o trabalho assinado por Erico Rassi (mas realizado, como o próprio frisou durante coletiva em Gramado, com uma equipe de produção quase 70% feminina) revela o fracasso dos homens abandonados aos próprios - e estúpidos - códigos de macheza e consegue achar caminho para um comentário social muito mais profundo do que talvez pudesse parecer à princípio.
Sem mulheres em cena, lado negativo do homem se acentua, argumenta diretor
"Acredito que, quando a gente tira a mulher de forma radical de cena, tudo de mais negativo nesses homens é exacerbado: a inclinação à violência, a dificuldade em se comunicar. A partir dessa ausência, elas se tornam uma espécie de fio condutor e, mesmo não estando lá, estão sempre tensionando a história", afirma o diretor Erico Rassi, em conversa com o Jornal do Comércio. Dentro desse contexto, a violência incompetente dos atiradores (interpretados, além de Rodger Rogério, pelos igualmente ótimos Daniel Porpino e Adanilo Reis) também realça a narrativa decadente desse universo, admite o diretor. "O Nelson Xavier (falecido em 2017, e com quem o realizador trabalhou no longa Comeback, em 2016) comentou que, nos meus filmes, todo mundo é meio incompetente. E é verdade: no caso, acho que isso impede que a questão das armas seja glamourizada, porque você não vai se identificar com esses caras se atrapalhando com as armas que usam."

Na coletiva concedida em Gramado nesta terça-feira (13), os atores de Oeste Outra Vez falaram sobre suas impressões diante da masculinidade melancólica e patética que surge na telona. "Talvez eu não tivesse tanta consciência da importância do feminino no filme antes de tê-lo visto pronto", admite Ângelo Antônio. "Para mim, essa camada se revelou na primeira vez que assisti, e deixou tudo ainda mais fascinante. Reforçar o feminino é o que vai nos resgatar das trevas que estamos vivendo", acentuou.

Babu, por sua vez, exaltou a equipe, em sua maioria de mulheres, atuando atrás das câmeras, e deu a elas grande crédito pelo resultado final. "Era tão lindo (trabalhar nas locações), fiz várias produções e nunca tinha visto nada dando tão certo o tempo todo. Era uma coisa mágica. Eu ficava observando antes das cenas, e de início eu questionava 'e não tem nenhuma mulher nesse elenco?' - mas depois eu entendi que as mulheres estavam lá, sim, dentro e fora do filme."

Por sua vez, Rodger Rogério foi bastante celebrado por ser, aos 80 anos, um dos principais protagonistas do filme. "Sou louco por cinema desde criança, mas nunca passou pela cabeça ser ator em um filme. Sou muito tímido, encabulado mesmo, não me imaginava ator, fiz curso para escrever (teatro e cinema). Mas as aulas eram práticas, ficávamos muito tempo no palco, fui gostando daquilo e nunca mais quis escrever. Sempre que sou convidado eu me entrego mesmo, é a coisa mais importante do mundo para mim", acentuou, sob aplausos. A previsão é de que Oeste Outra Vez chegue aos cinemas nos primeiros meses de 2025.

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