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Publicada em 05 de Junho de 2024 às 15:25

Quadrinistas gaúchos encaram maratona para chegar até festival em Belo Horizonte

 Sem poder usar o Salgado Filho, artistas como Cris Camargo enfrentam jornada atípica para participar da FIQ

Sem poder usar o Salgado Filho, artistas como Cris Camargo enfrentam jornada atípica para participar da FIQ

ARQUIVO PESSOAL CRIS CAMARGO/REPRODUÇÃO/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
Pegos de surpresa pelo desastre climático que assolou o Rio Grande do Sul e suas consequências, artistas gaúchos vivenciaram uma verdadeira saga para participar da 12ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ). O evento bienal que reúne autores e artistas de histórias em quadrinhos do Brasil e do exterior ocorreu entre dia 22 a 26 de maio no centro de convenções Minascentro em Belo Horizonte (MG), por onde passaram 45 mil pessoas.   
Pegos de surpresa pelo desastre climático que assolou o Rio Grande do Sul e suas consequências, artistas gaúchos vivenciaram uma verdadeira saga para participar da 12ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ). O evento bienal que reúne autores e artistas de histórias em quadrinhos do Brasil e do exterior ocorreu entre dia 22 a 26 de maio no centro de convenções Minascentro em Belo Horizonte (MG), por onde passaram 45 mil pessoas.   
Programada há meses, a viagem de pelo menos três profissionais da área, residentes no Estado, se transformou em um desafio, enfrentado com investimento adicional para o deslocamento. "Estávamos todos com as passagens aéreas compradas, mas como o aeroporto Salgado Filho fechou, foi necessário repensar a logística", conta a quadrinista Cris Camargo, que mora em Porto Alegre. Ela conseguiu chegar ao evento, após uma pequena maratona improvisada. "Sai de ônibus do terminal Antônio de Carvalho, na Capital, até Osório e, de lá, embarquei em outro o ônibus para Florianópolis. Após nove horas de viagem, tive de pernoitar na cidade para, no dia seguinte, pegar um avião (partindo da capital de Santa Catarina) para São Paulo, onde fiz a conexão para voar até Belo Horizonte", conta a artista. "O trajeto de volta foi igual, o que resultou em gastos a mais (do que estava previsto) com duas diárias de hotel e as passagens de ônibus", emenda.
Trabalhando como jornalista e publicitária para manter o orçamento, Cris publica histórias em quadrinhos (HQs) desde 2016. "Ter sido selecionada para participar do Festival como expositora foi o que me incentivou a ir e encarar essas dificuldades. O evento é o maior do gênero na América Latina e apresenta um panorama da produção contemporânea de quadrinhos no mundo, além de viabilizar o contato com o público e com artistas e autores de outros estados", destaca a quadrinista. Ela acrescenta que esta foi sua primeira participação no FIQ. "Cheguei a pensar em não ir – bate aquela decepção, desânimo e insegurança de viajar, deixando minha casa, sem saber o que ia acontecer. Ao mesmo tempo, a vontade de participar foi maior", comenta.
O encontro na capital mineira reuniu cerca de 400 artistas de 22 estados brasileiros e de outros seis países, a partir do recorte curatorial Onde cabem os quadrinhos?, para intercâmbio de experiências entre pesquisadores e públicos diversos. Patrocinado pela prefeitura de Belo Horizonte e realizado em parceria com o Instituto Periférico, o FIQ selecionou, além de Cris Camargo, outros cinco artistas gaúchos como expositores, no início de março. Dentre eles, estava o ilustrador e quadrinista Thiago Krening, que, além de lançar seu novo titulo, Edifício Celeste (Editora Hipotética) e vender outros trabalhos no evento, ministrou uma oficina de criação de personagens e participou de três sessões da atividade Duelo de HQs, onde dois desenhistas profissionais criam a partir de ideias lançadas por um público formado por estudantes, que depois elege "a melhor arte" da disputa.
Para chegar à Belo Horizonte, Krening também precisou adaptar a logística: saiu de ônibus de Santa Cruz do Sul rumo a Caxias do Sul, onde pernoitou em um hotel para poder embarcar, no dia seguinte, em um voo até a capital mineira, com escala em São Paulo. "Para voltar, como não tinha voo de Belo Horizonte para Caxias na data que eu precisava, precisei ir até Florianópolis, novamente com escala em São Paulo. Lá, aguardei do meio-dia e meia até às 22h para embarcar em um ônibus para Santa Cruz e encarar mais 13 horas de viagem até chegar em casa", resume o artista. "Como os demais que saíram do Estado, tive gastos a mais do que o planejado além de ter que utilizar dois dias a mais no deslocamento - ainda, para fazer o encaixe da data de voo, tive que retornar antes do evento terminar", destaca o ilustrador, que afirma não ter desistido de participar do evento, por se tratar "da única oportunidade de encontrar com (um grande número de) leitores e outros artistas do segmento. 
A avaliação não foi diferente por parte do pesquisador e quadrinista Guilherme Smee (pseudônimo de Guilherme Sfredo Miorando), que, por pouco quase "abriu mão" da viagem. Ele também precisou ir até Osório, saindo do terminal Antônio de Carvalho - porque "a rodoviária central de Porto Alegre estava debaixo d´água". "Precisei esperar duas horas pelo ônibus para Caxias do Sul, onde tive que permanecer dois dias (um deles com as despesas pagas pela companhia aérea), porque não tinha como decolar, por conta do mau tempo. Só depois disso, partimos para São Paulo e de lá para Belo Horizonte." Smee considera que a "odisseia" valeu a pena, pois o evento  é um espaço que "possibilita networking", viabilizando a mostra de suas publicações para "determinadas do pessoas desse mercado". "Meu trabalho é voltado para três vias: produção de quadrinhos, pesquisa de quadrinhos e produção cultural de eventos e de editais relacionados com quadrinhos. Assim, o FiQ ajuda a encontrar pessoas e parcerias para essas atividades.
Considerando a "importância de participar do evento", mas impedido de sair da Capital, já que ficou desalojado, por conta do alagamento no bairro Menino Deus, o sócio-proprietário da Brasa Editora, Sandro Ferreira - mais conhecido como "Lobo" - optou por marcar presença de forma online, através de videochamadas. "Minha rua alagou e ficamos ilhados. Precisei sair de casa, deixando para trás roupas e equipamentos, como o computador que uso para emitir as notas fiscais (dos livros vendidos). Também meus pais, que são idosos e moram no bairro, tiveram a casa inundada e perderam muita coisa, e eu ainda precisei de ajuda para resgatar meus quatro gatos de dentro da minha residência, que não chegou a ser afetada diretamente, pois moro no terceiro andar de um prédio, onde a água chegou na altura da cintura", conta o editor. "Foram dias intensos, de muita loucura, e ainda tínhamos voltado todos nossos investimentos para lançar três livros no Festival, o que acabou não acontecendo, pois a gráfica parou, após ficar sem luz", continua. 
Com passagens de avião compradas, um grande estande de exposição adquirido e planos de fechar negócios na feira com autores dentro do FIQ, Lobo "ao menos" conseguiu conversar com 20 autores, em dois dias de Rodada de Negócios, patrocinada pelo Sebrae dentro do evento. "O pessoal do Festival foi maravilhoso, pois montaram, de última hora, um ponto para a gente participar virtualmente desta atividade." O editor conta que também arranjou uma forma de enviar outros títulos da Brasa Editora (que ficam guardados em um depósito localizado em São Paulo) até o evento. "Não tinha condição de viajar, com os gatos e meus pais naquela situação, estava preocupado com o aconteceria naqueles dias, mas no fim vendemos bem durante o Festival, onde recebemos muito apoio e solidariedade."
Lobo destaca que, passado esse período, as "expectativas do momento" se voltam para encontrar uma maneira de "agitar" o mercado de quadrinhos local. "Nesse meio tempo estávamos para nos mudar para a José do Patrocínio, 611 (sobreloja), onde irá funcionar a Editora. Ali, pretendemos manter também uma livraria de HQs, que deve ser inaugurada na primeira quinzena de junho, da forma que for possível, devido aos acontecimentos que interferiram um pouco nos planos", observa.
Ao avaliar que, "apesar da saga, deu tudo certo" e foi possível representar o Estado na FIQ, a quadrinista Cris Camargo destaca que os artistas gaúchos estão empenhados também em ajudar os colegas que "perderam tudo - ou quase tudo - nas enchentes". "O Festival inclusive integrou a corrente do bem da prefeitura de Belo Horizonte para ajudar a população atingida através da arrecadação de doações", destaca. A artista avalia que "vai demorar bastante para as coisas voltarem ao normal nesse mercado, considerando que tem gráfica fechada, reduziu o número de fornecedores e os Correios estão trabalhando devagar". "Os quadrinistas gaúchos devem enfrentar dificuldades de logística muito grandes", concorda Guilherme Smee. "O escoamento de nosso trabalho depende de termos as estradas e aeroportos abertos, o que deve demorar para voltar ao normal - espero que tenhamos a ajuda do poder público gaúcho, que pouco apoia nossas manifestações culturais", pontua.

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