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Publicada em 04 de Junho de 2024 às 17:51

Diário da Enchente coloca em palavras a memória dos que viram as águas invadindo a cidade

O Diário da Enchente conta com um texto por dia, construindo a memória das semanas tumultuosas e assustadoras da enchente

O Diário da Enchente conta com um texto por dia, construindo a memória das semanas tumultuosas e assustadoras da enchente

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Maria Eduarda Zucatti Repórter
Usar a palavra e o papel como forma de organizar as ideias e aliviar o coração é algo com que a maioria das pessoas estará familiarizada. Diante de todo o caos das enchentes no Rio Grande do Sul, essa comunhão entre pessoa e texto ganha uma potência particular, em meio ao bombardeio constante de informações que chegam a cada minuto por jornais, rádios, televisão e redes sociais.
Usar a palavra e o papel como forma de organizar as ideias e aliviar o coração é algo com que a maioria das pessoas estará familiarizada. Diante de todo o caos das enchentes no Rio Grande do Sul, essa comunhão entre pessoa e texto ganha uma potência particular, em meio ao bombardeio constante de informações que chegam a cada minuto por jornais, rádios, televisão e redes sociais.
Esse é, de forma simples, um dos objetivos do Diário da Enchente: colocar sentimento em palavras, posteriormente postadas em um blog. A cada dia uma página deste diário é escrita, e uma história fica marcada para sempre - construindo, em junção com outras tantas histórias, de outras tantas pessoas, uma percepção coletiva a respeito dos dias em que as águas invadiram a cidade.
O projeto é composto por textos de pessoas diversas, que vivem a enchente de 2024 cada qual à sua maneira. Assim, qualquer pessoa que se sentir confortável envia o seu relato ao e-mail do diário: [email protected]. Os textos são revisados e depois publicados, um por dia, no site https://diariodaenchente.poa.br/.
Uma das fundadoras do Diário da Enchente é a jornalista Raphaela Donaduce. Ela relata que, na época da pandemia de Covid-19, um de seus hobbies era ler o Diário da Pandemia, criado pela escritora Julia Dantas. Julia, por sua vez, conta que sua inspiração para o projeto surgiu da necessidade que tínhamos de conversar e contar para as pessoas o que acontecia à nossa volta, e de descobrir o que os outros faziam em suas casas também "Eu achei 'bom, agora que a gente vai ficar trancado em casa, a gente vai perder esse convívio…' E aí o diário era um jeito de recriar esse contato de um modo virtual, de saber como é que cada pessoa estava vivendo dentro da sua casa, vivendo a sua rotina do dia a dia, esse 'comum' entre todas as aspas, não é?"
Julia também é uma das pessoas envolvidas com o Diário da Enchente e seu relato marcou a primeira página do mesmo. Ela conta que a escrita a ajuda a organizar os pensamentos e a olhar para a situação de outro ângulo. Seu texto A Casa Alagada conta da noite em que ela entrou para a estatística das pessoas que receberam a infeliz visita da água. Nele, ela escreve:
"Eu estou aqui para tentar colocar em palavras o que foi e o que está sendo viver essa coisa, mas há momentos que a linguagem não alcança. O melhor que eu posso fazer é dizer que, se algum dia eu virar cineasta e fizer um filme de terror, essa cena estará lá: a água brota por entre as junções do piso de madeira em manchas escuras mínimas que rapidamente ganham tamanho e se espalham indiferentes aos panos e às folhas de jornal com as quais se tenta suprimi-las."
A autora relata que o momento atual é de reconstrução. A casa está limpa, e bem melhor do que antes, mas ainda falta muita coisa. "No começo tu entravas (em casa) e dava vontade de, sei lá, fechar a porta e sair correndo e nunca mais voltar. Agora a casa já tem cara de casa, sabe? Só que é uma casa vazia".
Por estar com o foco em sua vida pessoal, Julia não participa efetivamente do projeto, mas se sente feliz "que eles (organizadores) quiseram manter esse vínculo, essa proximidade com o Diário da Pandemia, por mais que eu não esteja ajudando em nada".
Proximidade esta que Alziro Rodrigues, um dos escritores do diário, relata em seu texto:
"Estamos vivendo a pandemia gaúcha, com muitos de meus conterrâneos em isolamento, muitos deles fora de casa e outros tantos fora do coração. Nossa vacina, no entanto, já chegou e a cada dia chegam mais doses; o nome dela é solidariedade. Em meio à dor e ao sofrimento emergiu uma onda imensa de solidariedade, compaixão e empatia. Contamos aos milhares os salvamentos, as doações e as mensagens de apoio."
Como forma de tentar superar os traumas que as águas causaram nas pessoas, o diário está recebendo relatos até quando for necessário, sem previsão de encerramento. Afinal, uma história só acaba com o ponto final - o que, no que se refere ao avanço das águas do Guaíba, também está longe de chegar.
 

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