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Publicada em 02 de Junho de 2024 às 16:08

Autor de livro sobre a enchente de 1941: "deixou ensinamento, mas parece que não aprenderam"

Escrito por Rafael Guimaraens, A enchente de 41 traz lembranças de alagamento que paralisou a Capital

Escrito por Rafael Guimaraens, A enchente de 41 traz lembranças de alagamento que paralisou a Capital

ACERVO DEP/EDITORA LIBRETOS/DIVULGAÇÃO/JC
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Maria Eduarda Zucatti Repórter
Em meio ao caos provocado pelas águas que invadiram ruas, casas e estabelecimentos comerciais de Porto Alegre, a enchente de 2024 ergueu uma ponte entre o presente e as memórias de um passado já distante, mas ainda doloroso: a enchente de 1941. A história, de fato, se repete - não apenas em termos de coincidência climática, mas também em posturas coletivas que, 83 anos depois, nos deixaram à mercê de vulnerabilidades semelhantes.
Em meio ao caos provocado pelas águas que invadiram ruas, casas e estabelecimentos comerciais de Porto Alegre, a enchente de 2024 ergueu uma ponte entre o presente e as memórias de um passado já distante, mas ainda doloroso: a enchente de 1941. A história, de fato, se repete - não apenas em termos de coincidência climática, mas também em posturas coletivas que, 83 anos depois, nos deixaram à mercê de vulnerabilidades semelhantes.
A enchente de 41 ocorreu de 22 de abril a 14 de maio. Em 2024, elas se iniciaram no dia 27 de abril, e ainda não é possível dizer que tenha se encerrado. A chuva foi intensa, nos dois períodos, nas nascentes dos rios, e foi isso que ocasionou a cheia do Rio Guaíba, que é alimentado pelos rios Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí. Além disso, o fenômeno climático El Niño esteve presente nas duas ocasiões.
Segundo Rafael Guimaraens, autor do livro A Enchente de 41, as duas tragédias apresentam paralelos impressionantes. "Porto Alegre sempre foi propensa a alagamentos. Normalmente, a época de enchentes era de agosto a setembro, mas, coincidentemente, essas duas ocorreram em maio", aponta.
Porém, uma das principais diferenças entre as duas enchentes está na densidade populacional da cidade. Em 1941, foram mais de 70 mil habitantes diretamente afetados, em uma época em que a Capital tinha aproximadamente 272 mil residentes. Em 2024, os números são muito maiores: 157 mil pessoas afetadas numa cidade com 1,3 milhões de habitantes. Em porcentagem, são 26% da população afetada em 1941 contra 12% em 2024. Mesmo assim, o desastre foi maior, e o Guaíba subiu 49 centímetros a mais em 2024 do que em 1941, quando as réguas bateram em 4,76m.
O processo de pesquisa para o livro de Rafael não foi simples. Afinal, "não havia celulares e filmadoras a todo momento registrando os acontecimentos" como presenciamos no mês de maio. Ele se baseou em acervos dos jornais da época, em arquivos do Instituto Nacional de Meteorologia, arquivos do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) e, claro, na fotografia. O livro é repleto delas, que, junto com a pesquisa de Rafael, contam uma história que, até há poucos dias, quase ninguém imaginava que pudesse se repetir.
Nem mesmo Rafael, que teve de sair de sua casa no Bairro Menino Deus com água pelos joelhos. O seu apartamento, por ficar no sétimo andar, não foi afetado. Mas ele e sua esposa tiveram de se abrigar na casa de amigos até que a água baixasse por lá. O galpão da Editora Libretos, que editou A enchente de 41, foi alagado, e várias obras tiveram seus exemplares em estoque perdidos. A reimpressão da obra sobre 1941 deve estar disponível a partir de junho, em livrarias da Capital e no site www.libretos.com.br. "Todos os meus livros eu imagino que estejam destruídos. Vai ser um enorme esforço para recomeçar tudo", lamenta Rafael.
Boa parte das pessoas que passavam pelas ruas alagadas da metrópole nunca devem ter imaginado se locomover assim pela Capital. Porém, em 1941, os carros e bondes deram lugar aos barcos, que transportavam os trabalhadores de um lado a outro da cidade. "Não havia como ter uma vida normal em 1941 sem se deslocar ao Centro. Tudo acontecia lá", explica o autor. Por isso, por mais alagado que estivessem os caminhos, algumas coisas seguiram funcionando e precisavam de funcionários.
Enquanto alguns trabalhavam, outros se mobilizavam para criar uma enorme rede de solidariedade, com abrigos e arrecadação de donativos para os mais necessitados. A presença e ajuda da população, nas duas enchentes, foi essencial para que não faltassem insumos. Em 1941, diversos grupos se uniram para a distribuição de medicamentos, recreação para as crianças, produção de alimentos e arrecadação de roupas. Décadas depois, o mesmo aconteceu em milhares de pontos em Porto Alegre, mobilizando boa parte de seus cidadãos.
Quando as águas baixaram, era a hora de criar um plano de contenção contra as cheias. Assim foi concebido o sistema que envolve as casas de bombas e o muro da avenida Mauá. As obras levaram 33 anos, sendo concluídas em 1974.
Por anos, a cidade foi dividida - fisicamente e no campo das ideias - pelo muro, que mudou drasticamente a relação dos porto-alegrenses com o Guaíba. Porém, ele se provou útil em eventos como o de 1983, pouco menos de 10 anos depois de sua conclusão, quando as águas do Guaíba ameaçaram invadir a cidade. A prefeitura decretou que as comportas, automáticas, fossem fechadas. A automatização não funcionou naquela ocasião, e não funciona até hoje. "Nem era uma coisa muito cara", comenta Rafael. "Na verdade é uma questão mesmo de prioridade de governo. (A enchente de) 41 deixou um ensinamento, mas parece que as pessoas e as autoridades não aprenderam."
Na visão do autor de A enchente de 41, é preciso que os mecanismos de proteção contra cheias (sejam quais forem) estejam sempre prontos para funcionar, ao menor sinal de incidente climático. "A tendência é que eles se repitam com maior frequência daqui para frente, né? Então Porto Alegre vai sofrer muito com isso nos próximos anos, e precisa de uma conscientização".
 

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