Pintada em 1920 pelo artista lituano Lasar Segall (1889-1957), a obra Witwe, ou Viúva, foi considerada uma das mais importantes do artista. Porém, por não estar dentro dos padrões arianos, era considerada uma 'arte degenerada'. Em 1937, o governo de Adolf Hitler lançou uma campanha oficial contra o que considerava arte degenerada, rotulando assim todas as obras que não se encaixavam nos padrões clássicos de beleza e representação naturalista do regime.
Todas as obras desenvolvidas dentro das vanguardas modernas, como cubismo, expressionismo e fauvismo, eram consideradas "degeneradas". O governo confiscou cerca de 16 mil obras de arte, incluindo aproximadamente 50 de autoria de Lasar, que tinha origem judia.
Naquele mesmo ano, em julho, 650 dessas obras, incluindo duas pinturas de Segall, foram apresentadas na mostra Entartete Kunst [Arte Degenerada] em Munique. Apesar da desaprovação do povo alemão, a exposição foi um sucesso de público, recebendo mais de 2 milhões de visitantes e causando grande repercussão.
Após a mostra, a promessa era de que essas obras seriam destruídas pelo governo. Sabendo das cifras que alguns artistas alcançavam no mercado internacional, entretanto, os nazistas venderam trabalhos assinados por nomes como Picasso, Kandinsky, Chagall e Van Gogh, o que nos permite admirá-las atualmente. Na época e nos anos seguintes, acreditava-se que A Viúva tinha sido destruída.
Porém, a mesma ressurgiu no Brasil após oito décadas de desaparecimento. A obra foi encontrada na Europa pelo marchand Paulo Kuczynski e é o centro da mostra Witwe, uma pintura reencontrada, do Museu Lasar Segall de São Paulo, com inauguração marcada para 19 de maio.
Com a pintura, serão exibidas gravuras produzidas pelo artista na mesma época, que fazem parte do acervo de mais de 3 mil itens que a instituição conserva e divulga. A exposição abre durante a 22ª Semana Nacional de Museus, uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus em torno do Dia Internacional dos Museus, celebrado em 18 de maio. Ela segue em cartaz até o dia 18 de agosto.
Kuczynski conta sobre o momento que encontrou a obra: "São momentos inesquecíveis na vida de um marchand — o prazer da descoberta. No entanto, neste caso, a emoção é de outra natureza e há pouca chance de que se repita na minha vida".
Ele ainda complementa sobre o que (ou quem) possibilitou a redescoberta da pintura. "No caso de Viúva, existiu um salvador, e isso me intriga, faz minha imaginação voar. A pintura certamente magnetizou o olhar de alguém (um oficial nazista?), que por ela se encantou a ponto de, contra as ordens oficiais, escondê-la e poupá-la da fogueira — um delito grave naquele momento de extremos."
Depois de algumas tratativas, o marchand conseguiu trazer a tela para o Brasil e a levou ao Museu Lasar Segall, centro de referência para o estudo da obra. Ela foi analisada e autenticada pelo então diretor, Marcelo Monzani, e sua equipe técnica.
Os ex-diretores do museu Marcelo Araújo, Jorge Schwartz e Giancarlo Hannud também foram convidados para ver a pintura pessoalmente, que até então só era conhecida por fotos em preto e branco de antigos catálogos e livros. "Pude perceber, ao observar esses apaixonados por Segall, o frisson provocado pela fatura, pelo colorido e por toda a carga histórica da obra milagrosamente intacta", concluiu.
Museóloga e pesquisadora do museu Lasar Segall há mais de 40 anos, Pierina Camargo acredita que a obra deve ser devolvida ao museu de onde foi confiscada, o Folkwang Museum, em Essen, Alemanha. Feita durante o auge expressionista do artista, a pintura é considerada uma sobrevivente da guerra, que tanto dizimou a arte e a cultura da época.
A partir de 19 de maio, as pessoas também terão a oportunidade de encontrar a tela sobrevivente no museu dedicado ao artista. Fundado dez anos após sua morte, em 1967, no lugar onde viveu com a família, na Vila Mariana, o museu foi criado pelos filhos Mauricio e Oscar Klabin Segall. O acervo foi doado pela família à Associação Museu Lasar Segall que, em dezembro de 1984, se transformou no Museu Lasar Segall, hoje uma unidade do Instituto Brasileiro de Museus.