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Primeiro edital de ocupação após reforma do Teatro de Câmara Túlio Piva gera polêmica
Profissionais das artes cênicas reivindicam paridade dos segmentos culturais no edital e contestam seleção que contempla apenas espetáculos musicais
Por Adriana Lampert
Aguardado ansiosamente pela classe artística, o primeiro edital de ocupação do Teatro de Câmara Túlio Piva, após a reforma do espaço, foi recebido com indignação pelo setor de artes cênicas local. Contemplando apenas espetáculos musicais para as datas que estão sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC), o documento está sendo contestado por artistas do Teatro, da Dança e do Circo, que se mobilizaram e emitiram um manifesto "pela ocupação justa" das datas no local.
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Aguardado ansiosamente pela classe artística, o primeiro edital de ocupação do Teatro de Câmara Túlio Piva, após a reforma do espaço, foi recebido com indignação pelo setor de artes cênicas local. Contemplando apenas espetáculos musicais para as datas que estão sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC), o documento está sendo contestado por artistas do Teatro, da Dança e do Circo, que se mobilizaram e emitiram um manifesto "pela ocupação justa" das datas no local.
Lançado na quinta-feira (22), o edital está com inscrições abertas até 12 de março, para temporadas em abril, maio e junho. Fechado desde 2014, por problemas estruturais, o Teatro de Câmara Túlio Piva (Rua da República, 564) atualmente recebe os retoques finais da reforma conduzida pela Opinião Produtora, em uma obra que é parte do contrato de concessão do Auditório Araújo Vianna (assinado em 2019). Depois de reaberto, o local será gerido pela empresa, tradicionalmente vinculada à música, mas terá 50% de suas datas sob responsabilidade da SMCEC, de acordo com a parceria público-privada estabelecida até junho de 2031.
"O Teatro de Câmara sempre foi um espaço plural e, no nosso ponto de vista, deve continuar sendo ocupado pelos segmentos de Teatro, Dança e Circo", afirma o presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (Sated-RS), Luciano Fernandes. "As artes cênicas também querem trabalhar no Túlio Piva já no primeiro semestre de 2024", emenda o dirigente da entidade.
O mesmo sentimento é compartilhado por representantes da área da Dança e do Circo. "As trabalhadoras e trabalhadores da Dança de Porto Alegre, após dez anos de espera pela reabertura do Teatro de Câmara Túlio Piva, sofrem mais um duro golpe", protesta uma das diretoras da Associação Articula Dança RS, Marise Siqueira. Ela destaca que "não há espaços públicos suficientes para receber a produção artística da Dança local, para ações continuadas de formação de público, para que os trabalhos produzidos possam cumprir temporadas mínimas". "A Dança em Porto Alegre está refém dos editais, por isso, sem perspectivas de continuidade."
"Recebemos com surpresa que o edital é somente para espetáculos musicais. Obviamente, o espaço não precisa ficar exclusivamente para as Artes da Cena, mas excluir a Dança, o Circo e o Teatro vai na contramão das demandas da cena artística de Porto Alegre", pontua uma das integrantes da Associação Gaúcha de Dança (Asgadan), Marlise Machado. Ela ressalta que ainda que pudesse abrigar espetáculos da área de Música, "o número de eventos das Artes da Cena sempre foi preponderante" no palco do Teatro de Câmara. "Os editais para ocupação do Teatro Renascença e da Sala Álvaro Moreyra demonstram que esses espaços não conseguem acolher nem metade dessa demanda, que cresceu muito com a diversificação das linguagens artísticas", emenda. "Essa decisão de exclusão só demonstra que a decisão coube a quem desconhece as demandas e a pluralidade de linguagens cênicas da cidade."
Lamentando "profundamente a lacuna deixada" pela nova administração do Teatro de Câmara, a presidente da Associação de Circo do Rio Grande do Sul (Circo Sul), Consuelo Vallandro, avalia que o edital "simplesmente passou por cima da coordenações de Dança e de Artes Cênicas do Município" e afirma que "este processo de apagamento das artes cênicas colabora para aprofundar o abismo que separa os artistas do Circo da possibilidade de ter acesso à oportunidade de ter um palco para se apresentarem." A artista lembra, ainda, que Porto Alegre sofre com a falta de espaços de apresentação acessíveis aos circenses, principalmente depois do fechamento do Teatro de Câmara e da Usina do Gasômetro, o que gerou uma alta disputa pelas salas da Casa de Cultura Mario Quintana e do Centro Municipal de Cultura. "O circense já tem uma infeliz tradição de ser marginalizado, e raramente tem disponibilidade financeira de pagar o aluguel de um teatro privado para se apresentar", acrescenta.
Inaugurado em 1970 de forma provisória, o Teatro de Câmara foi o primeiro teatro de responsabilidade do poder público local. Em 1999, recebeu o nome de Túlio Piva, em homenagem ao músico gaúcho, falecido em 1993. Segundo o secretário municipal de Cultura e Economia Criativa, Henry Ventura, a ideia do edital que contempla a Música no trimestre de maio a junho é fazer uma homenagem ao cantor e compositor, consagrado pelo dedilhar único do violão e por influência de ritmos que foram do tango ao samba. Ainda de acordo com o secretário, outro critério adotado pela Prefeitura na formatação do edital foi uma resposta a um "pleito antigo" da área musical local, "visto que os espaços do Município sempre foram mais ocupados pelo Teatro, até de forma diferenciada da Dança e do Circo, que também compõem as artes cênicas".
Ventura salienta que o "esse edital não é destinado para todo o ano de 2024, mas apenas para três meses de sua programação." "Em nenhum momento pensamos em não privilegiar todas as linguagens artísticas, incluindo também as Artes Visuais e a Literatura, já que o espaço funcionará como centro cultural, com Foyer e outras salas, além do palco. Essa é uma pequena homenagem, com datas iniciais - depois a gente equaciona, mas isso tem que ser discutido com todos os setores (no decorrer do ano)", pondera o secretário. "Na minha avaliação, desconsiderar esse reconhecimento ao músico que dá nome ao espaço - nesse momento de reabertura, após uma década sem programação - seria um equívoco histórico ao compositor que dá nome ao Teatro de Câmara e ao próprio espaço, sendo que grandes artistas da Música, como Lupicínio Rodrigues e o próprio Túlio Piva, além de nomes do nativismo regional, também já se apresentaram ali."
"Ao dedicar os primeiros três meses - na verdade, serão 30 dias, somando as datas disponíveis na gestão compartilhada com o Opinião - do teatro à Música em homenagem a Túlio Piva, a intenção é celebrar e valorizar a sua contribuição artística e cultural para a cidade, ao mesmo tempo em que se reconhece a relevância da diversidade de expressões artísticas", acrescenta a assessora do gabinete da SMCEC, Cida Pimentel, que responde pelo Teatro de Câmara na Prefeitura. Segundo ela, diariamente chegam à Secretaria demandas de pequenos grupos musicais e artistas locais desta área, que também não encontram locais de apresentação na Capital. Cida acrescenta, que embora esse edital seja específico para eventos musicais, já estão programadas apresentações de Teatro (com cinco datas agendadas para espetáculos do Porto Verão Alegre, em abril) e de Dança (com uma data já acertada). "Além disso, haverá futuros editais contemplando os segmentos das artes cênicas", garante.
Procurado pela reportagem do Jornal do Comércio, o sócio-proprietário da Opinião Produtora, Rodrigo Machado afirmou que não cabe à empresa opinar sobre ou interferir no edital formatado pela Prefeitura. "Essa é uma decisão que só diz respeito ao poder público, mas posso adiantar que os 50% da ocupação do Teatro de Câmara sob nossa administração incluirão outras linguagens artísticas, além da Música - trabalhamos com arte e entretenimento, e estamos buscando espetáculos de Teatro e Dança para se apresentarem no Túlio Piva."
"Todos nós da classe artística celebramos a reabertura do (Teatro de Câmara) Túlio Piva, que nasceu e deve continuar acessível à cena local", opina o diretor de teatro, Luciano Alabarse. "Essa é a vocação do espaço, tão querido por todos nós. Essa homenagem ao Túlio seria muito mais festiva e democrática se a Prefeitura envolvesse não apenas um tipo de espetáculo, mas todos", emenda. "O Teatro de Câmara é um lugar com muitas histórias, super conectado com as artes cênicas de Porto Alegre", concorda a diretora da Cia Rústica de Teatro, Patrícia Fagundes. "Esse edital que abre agora só para a Música, a meu ver está dentro de um projeto de exclusão dos artistas da cena, iniciado há mais de uma década, com a gourmetização dos espaços que eram da cidade (a partir de parcerias-público-privadas). Poderia ser um edital múltiplo, (também) com Dança, Teatro, Circo - mas como as artes cênicas reclamaram bastante na ocasião de seu fechamento, me parece até uma resposta não tão casual", dispara a artista.
Lembrando que o Teatro de Câmara, desde seus primórdios contempla as artes cênicas locais, inclusive com espetáculos destinados ao público infantil, o ator e diretor Renato Del Campão afirma ter uma memória afetiva do espaço, onde se apresentou algumas vezes, com trabalhos teatrais distintos. "Inclusive, a primeira peça de teatro que assisti - quando eu tinha 12 anos - foi lá: era A Bruxinha Dorotéia, de Maria Clara Machado, com direção de Nilton Negri."
"Queremos a anulação do edital, não concordamos com a resposta de que no segundo semestre a gente conversa", diz o ator e iluminador Carlos Azevedo. Ele - e uma centena de artistas - integra um manifesto lançado pelas entidades de artes cênicas (Sated, Asgadan, Articula Dança e Circo Sul), que exige que "o secretário de Cultura e o prefeito de Porto Alegre" revisem os conceitos de ocupação do Teatro de Câmara Túlio Piva. A movimentação tem ocorrido desde a semana passada, e inclui o envio de solicitação de engajamento de vereadores da cidade. De acordo com a categoria, o argumento de que já foram agendadas cinco datas para o Porto Verão Alegre não é suficiente, uma vez que não contempla a classe através de um edital público.
Nesta sexta-feira, o presidente da Associação de Músicos do Rio Grande do Sul (ASSMurs), Rodrigo Lentino, se posicionou sobre a polêmica. Em nota, o dirigente afirmou que a entidade "reconhece que o setor cultural e musical desempenha um papel fundamental na identidade e na vida cultural da cidade." O texto também destaca que "o setor musical foi um dos mais afetados durante a crise do (novo) coronavírus, com muitos músicos enfrentando dificuldades financeiras, devido ao cancelamento de suas atividades". "Esse edital que reserva os primeiros três meses para apresentações musicais no Teatro de Câmara Túlio Piva, em homenagem ao renomado compositor de MPB do Sul do País e pandeiro prata, é visto pela Associação como uma medida de extrema importância para valorizar e contribuir com os artistas da Cultura envolvidos com o segmento Música, em especial nesse momento de reabertura."