O artista gaúcho Gili Lopes, radicado em Nova York há uma década, com passagem também pela Europa, lança uma nova obra de jazz contemporâneo, Algures. Nela, o contrabaixista retrata com melodias as sensações que sentiu em suas andanças pelo mundo, além de homenagear dois artistas. Das oito faixas, duas são releituras: Outubro, do grande brasileiro Milton Nascimento, e Infant Eyes, do saxofonista Wayne Shorter, importante nome do jazz estadunidense. O álbum será lançado nesta sexta-feira.
Nascido em São Lourenço do Sul, na região da Lagoa dos Patos, Gili cresceu ouvindo seu pai radialista e a sonoridade tradicionalista gaúcha, além de MPB. Começou ainda jovem a estudar contrabaixo e tocar em bandas na Capital. Com 18 anos, foi embora do Estado para o continente europeu. Em Londres, na busca por conhecimento, inicia os estudos de contrabaixo acústico. "Lá eu comecei a me interessar pelo jazz e fazer essa fusão da MPB e os estilos brasileiros, com as sonoridades que fui conhecendo no exterior", conta Gili Lopes.
Uma das motivações para sair do Brasil, além do espírito aventureiro da juventude, foi a inspiração ao saber de outros artistas que tinham viajado e aprendido novos idiomas, culturas e muita música. Em sua vivência em Londres, fez faculdade na Guildhall School of Music and Drama, uma das maiores escolas artísticas do Reino Unido. Ao estudar especificamente sobre jazz, aprendeu sobre o surgimento do estilo, nos Estados Unidos e, em especial, em Nova York, berço de sub-estilos como bebop e hard bop. "Foi um centro cultural, onde muita coisa aconteceu, e eu acho que essa curiosidade de como seria esse lugar ficou no meu subconsciente por muito tempo", relembra o contrabaixista. Mas ele ainda viajou um pouco mais por aí antes de se basear na Big Apple.
Ele seguiu para a Alemanha e concluiu um mestrado na Universidade de Belas Artes de Berlim, onde também estudou com professores dos EUA, e a curiosidade sobre Nova York foi só aumentando. "É como quem quer aprender mais sobre o samba e vai para o Rio de Janeiro pela primeira vez, é quase inevitável", compara Gili. Mas o sonho de viver o jazz nova-iorquino precisou esperar mais algum tempo, pois o artista estava com bastante trabalho na Europa e, para dar conta da agenda, se mudou para a França. Nessas andanças, parte delas registradas no álbum Algures, teve a oportunidade também de aprender novos idiomas, culturas e enriquecer seu repertório.
Na evolução de sua carreira, foi para Nova York muitas vezes, até perceber que, pelo fluxo de trabalho, faria mais sentido se basear na cidade e fazer shows na Europa conforme a demanda. "E é um lugar onde tu viras uma esquina e encontra os músicos mais incríveis, acaba conhecendo e até tocando com alguns, e isso te deixa próximo do lance real da coisa", explica o músico. Apesar da efervescência, a cidade também é muito competitiva, justamente pela quantidade de artistas em busca de sonhos semelhantes.
Em NY, Gili encontrou artistas de todos os lugares do mundo - e, é claro, brasileiros, como Vinícius Gomes (guitarra), Hélio Alves (piano) e Rogério Boccato (percussão) que colaboraram em seu álbum Algures. "Conheci todos eles em situações diferentes e foram escolhidos a dedo. Resolvi montar esse time especificamente para interpretar essas composições porque eu achei que era a equipe que daria a sonoridade que eu buscava", comenta o contrabaixista. A obra ainda conta com a colaboração dos músicos estadunidenses John Ellis (saxofone) e Ari Hoenig (bateria), para criar a mistura entre o som do jazz de Nova York e a brasilidade.
As seis composições autorais criadas por Gili, foram, de alguma forma, inspiradas em lugares dos mais de 35 países que já visitou, como a primeira faixa do álbum, intitulada Antalya, uma cidade da Turquia. Mas a intenção do álbum não é se limitar a uma homenagem a determinados locais. "Não foi premeditado, mas, quando eu olhei para as músicas que eu queria gravar, vi que tinha essa relação, e até achei curioso", explica. O nome do álbum também tem um significado que remete a viagens, no caso, a Portugal: ele percebeu que, no jeito de falar local, a expressão "em algum lugar" era traduzida com a palavra algures, o que o atraiu enquanto possibilidade poética.
O álbum ainda possui duas releituras. Na faixa Infant Eyes, Gili resolveu brincar com a cadência rítmica, adotando um compasso 3x4. O contrabaixista conta que considera Shorter um gênio, o álbum Speak No Evil foi um dos que mais escutou em sua vida e a faixa escolhida o emociona. Já a ideia de também retratar Milton Nascimento veio, além da admiração, do costume de tocar as músicas do brasileiro de forma instrumental durante sua carreira. Outubro também passou por uma alteração de andamento, e foi gravada em 7x4, para deixar o ritmo mais parecido com jazz contemporâneo. "Conforme as minhas composições ganhavam forma, eu percebia que essas duas canções específicas combinavam com o resto do disco, quase se dissolvem no meio das outras", anima-se Gili.