Disponível em todas as plataformas digitais, o álbum Um fantasma na multidão é o segundo disco do cantor, compositor e poeta porto-alegrense Pedro Jules. Ao contrário do primeiro, Antes que as cores façam sentido (2020) - feito individualmente e de forma mais artesanal - o artista expandiu sua pesquisa sonora e gravou o novo trabalho ao lado de uma banda, formada por Davi Camilo (baixo), Jonas Reis (bateria) e Marcel Muller (guitarra). O resultado pode ser conferido nas nove faixas do disco, que transitam entre o rock brasileiro setentista, a psicodelia, o glam rock, folk, garage e hard rock, além de nuances de rock gaúcho.
"Tenho dificuldade de definir o álbum, mas, fazendo um certo esforço, acho que tem muito desta mistura, apesar do meu estilo de letra ser mais próximo da MPB do que do rock", pondera Jules, que reside em Canela há quatro anos.
Na cidade serrana, ele montou um estúdio de gravação (Estoril Estúdio) para consolidar sua carreira musical, após passagem pelo teatro e pelo cinema na Capital - e depois de ter publicado dois livros de poesia: Translúcido (2014) e Fábula do Afeto (2021).
Inicialmente, durante a pandemia de Covid-19, ainda sem banda, enfrentou as limitações técnicas para dar luz ao primeiro disco, repleto de psicodelia e com canções sussurradas. "Eu tenho uma poética bem particular, não sigo muitos padrões e considero meu vocal esquisito, no bom sentido da palavra", comenta. "Nesse segundo álbum, pude mudar o registro e criar uma experiência mais pontente, com energia de rock feito no mundo real, não computadorizado, algo mais próximo de como as bandas soavam nos anos 1970."
O ambiente do estúdio serviu de cenário para as experimentações da banda e se transformou em "uma nave espacial", onde foi possível fazer um cosmic rock, resgatando as raízes sonoras "etéreas" de interesse do artista. Com instrumentral cru e letras surrealistas, que transitam entre a iconografia religiosa, o erotismo e a cultura underground, o grupo optou por um trabalho que mantém o clima de som ao vivo, que se distancia da saturação de efeitos e, como exploca Jules, fala sobre um universo fantasioso, que surge do ambiente de floresta, com fadas, seres do mato e fantasmas.
"As letras falam, sobretudo, da inadequação - no sentido poético - e são inspiradas em uma personagem meio junkie que veio de uma outra dimensão, 'caiu no estúdio' e está tentando se encontrar (que é a guria glam rock star da imagem da capa do álbum), deslocado da contemporaneidade e que não consegue se encaixar nessa confusão, devido ao seu alto grau de fantasia e sensibilidade", resume o artista.
Admitindo que, de certa forma, essa personagem que permeia o disco é uma espécie de alter ego feminino seu, Jules afirma que "este é um álbum andrógino", cheio de gritos e sussurros, de agressividade masculina e delicadeza feminina. "Tem purpurina, brilho, sexualidade dúbia, alegria, mas também uma decadência rocker, bem glam dos anos 1970." O paradoxo da alegria e da depressão, de luz e sombra se alternando o tempo todo vai de encontro ao título do álbum, retirado da letra de uma das faixas do disco, Cidadela. "Considero que nós somos este fantasma na multidão, por isso, acho que fechou perfeitamente com tudo que trata o disco", avalia o cantor, lembrando que a própria banda - todos residentes em Canela - sai "do meio do mato" para lançar seu trabalho para o mundo, pelas plataformas digitais.
"Não estamos no circuito musical, estamos no interior do Rio Grande do Sul, apesar de termos feito já muitos shows, inclusive em dois festivais, ambos em São Francisco de Paula - Paralelo Festival e Morrodália", explica Jules. "Nesses dois anos de banda, percebo que os músicos - sem os quais esse trabalho não seria possível - se identificaram e conseguiram captar minha poesia", emenda. Durante a gravação do álbum - "todo conceitual", com as músicas conversando entre si e com sequência poética das faixas - o grupo também lançou dois videoclipes (Cidadela e Bailarina).
Desta forma, Jules também conseguiu colocar sua estética teatral no trabalho, que ainda não contou com um show de lançamento. "Faremos em algum momento, mas ainda não sabemos quando", sinaliza o artista. Segundo ele, a meta da banda é usar o Estoril Estúdio como espaço de criação constante, realizando novos videoclipes, fotografias, experiências musicais e audiovisuais, sempre "saindo um pouco do padrão" ao qual o público está acostumado, quando se fala em uma banda brasileira de rock.