Integrando a programação comemorativa do aniversário de 70 anos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), a exposição Trindade do tempo - ou, um Torus apresenta obras de poéticas marinhas, de diversos artistas e distintas linguagens. A mostra coletiva, que entrou em exibição em dezembro, ocupa as Salas Negras no 1º andar expositivo da instituição, localizada na Praça da Alfândega, s/n°. A visitação acontece de terças-feiras a domingos, das 10h às 19h (último acesso às 18h), com entrada gratuita, e se estende até o dia 10 de março.
Com curadoria da Ío (pseudônimo do duo de artistas Laura Cattani e Munir Klamt), a exposição se insere no objetivo mais amplo do Margs de explorar processos curatoriais voltados à experimentação de estratégias expositivas em contexto museológico, como parte também das políticas institucionais de aquisição e divulgação das obras do Museu.
O projeto dá, ainda, continuidade ao programa Poéticas do agora, que tem por objetivo destacar produções que investem na pesquisa e experimentação de linguagem, bem como na transdisciplinaridade dos meios, operações e procedimentos.
Para a empreitada, os curadores apresentam a obra Trindade do tempo, de sua autoria e que recentemente foi doada ao museu, em diálogo com outros trabalhos do acervo do Margs, reunindo, também, obras dos artistas Albano Afonso, Anthony Arrobo Veléz, Bruno Borne, Carla Chain, Carlos Fajardo, Dione Veiga Vieira, Dirnei Prates, Libindo Ferrás, Marina Camargo e Rodolpho Bernardelli.
Constituído de uma série de fotografias, que acompanha o destino de três anéis lançados ao mar - representando ciclos temporais e movimento das marés - a obra Trindade do tempo surgiu a partir do projeto virtual e coletivo Tempo como verbo, realizado pelo Instituto Cultural Torus durante a pandemia de Covid-19. Laura conta que, a partir de um convite feito pelo diretor do Margs, Francisco Dalcol, para assumirem a curadoria e propor um processo que explorasse formatos expositivos não convencionais, a dupla optou por ativar também o acervo do Museu.
"Resolvemos partir de vários elementos, não só visuais, mas também conceituais e históricos, com algum tipo de referência entre eles", afirma a artista curadora. "Fizemos, então, uma relação entre obras antigas e outras contemporâneas, muitas delas inéditas para o público, para trazer uma certa atualização, no sentido de que fossem vistas de uma maneira que nunca haviam sido - ainda que algumas já tenham sido expostas."
Dentre as referências mais marcantes, Laura cita o mar, um oceano e a sua imensidão, e também imagens que, de alguma forma, se relacionem com a origem da vida, ou possam parecer assustadoras por seu conteúdo desconhecido. "Trindade do tempo vai além das fotos, pois é resultado de uma performance: em maio de 2021, pegamos um barco de pescador na costa de Garopaba, entramos mar adentro e jogamos os anéis em pontos distintos do mar - as peças foram jogadas de forma que tanto podem voltar, trazidas pelas ondas, como podem ser levadas para o oceano", conta a artista. "Isso foi divulgado na imprensa local, aí virou uma espécie de lenda urbana, de que os anéis podem voltar. Essa lendas de pescador, esse imaginário fantástico está permeando a obra - que está inserida nessa ideia de também criar uma lenda."
Dentre as obras do acervo eleitas para representar a temática, alguns exemplos são Escudo de Perseu, de Bruno Borne, e a série de fotos Invisível, de Dirnei Prates - segundo Laura, uma proposta "bem interessante", feita pelo artista pouco tempo depois da morte de seu pai, com imagens feitas na praia, mas que têm aspecto quase fantasmagórico, devido ao uso do filtro infravermelho. Já a série de fotos de autoria de Dione Veiga Vieira, intitulada Solutiles, instiga pela imprecisão das imagens (feitas de vasos de vidro, que, de acordo com os curadores "parecem mãe d'águas).
"Outra obra importante dentro do projeto curatorial é a Moema, escultura de Rodolfo Bernardelli, que é a representação da índia Moema, que morre afogada no mar enquanto seguia a nado o navio que levava o português Diogo Álvares Correia, o Caramuru, por quem ela estava apaixonada", destaca Klamt. "Tiramos essa obra da entrada do Margs, onde está há muito tempo, quase como um objeto decorativo, para colocar direto no chão de uma das Salas Negras, dando mais destaque à sua dimensão trágica." De acordo com Klamt, a mostra conta ainda com vários textos caligrafados, como se fossem cartas escritas no século XIX, que lembram contos e histórias, de forma que levam o expectador ao imaginário em torno do tema principal da exposição.
A dupla de curadores sinaliza que, entre dezembro de 2023 e março de 2024, serão realizados três movimentos, cada um resultando em uma nova proposta expositiva, com outras obras e intervenções, sempre em relação aos diversos aspectos presentes em Trindade do tempo.