Inspirado e questionador, Hercules & Love Affair toca pela primeira vez em Porto Alegre nesta sexta-feira

DJ Andrew Butler traz seu projeto de música eletrônica ao URB Stage

Por Carlos Villela

dj hercules & love affair
Compositor, cantor, produtor, DJ e criador do projeto musical Hercules & Love Affair, o polivalente Andrew Butler se apresenta pela primeira vez em Porto Alegre nesta sexta-feira (10). Principal atração da SVRVRV, festa de música eletrônica que originou no Rio de Janeiro e agora acontece no Rio Grande do Sul, ele divide o line-up com nomes de destaque da música eletrônica da Capital, como Mari Gonçalves, Greg e Arthur Marques com Ju Quevedo. O evento tem curadoria do estúdio colaborativo de design Vorbi, e os ingressos podem ser adquiridos pelo site Guedder.
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Andrew Butler disse que o público pode esperar um set eclético, misturando house music, techno, influências de pós-disco e new wave dos anos 80 que o acompanham desde seu começo na música e trabalhos de produtores que despontam na música eletrônica atual. Seu repertório também inclui suas produções autorais, uma novidade no seu modo de trabalho. “Eu não gostava de tocar minhas músicas”, explica. “Não sei se era porque estava perto demais da minha produção original, ou se não queria tocar porque lembrava como foi aquela música, e simplesmente não quero tocar aquela batida”.
Essa percepção mudou quando ele começou a ouvir remixes de suas músicas feitos por outros artistas. As releituras sonoras trouxeram uma distância confortável e o deixou mais instigado a tocar sua própria obra. Somado a isso, o fizeram encarar o fato que muitos desses artistas são jovens que têm nele uma referência criativa. “Crianças - eu chamo de crianças, mas pessoas - vêm até mim e me falam ‘eu tenho muito respeito pelo seu impacto, ou por aquela coisa que tu fez’, e isso me fez perceber que eu estou um pouco mais velho na cena”, reflete Butler. “Às vezes algumas pessoas me falam ‘eu tinha 15 anos e dançava ouvindo suas músicas’, e eu penso comigo mesmo ‘isso é uma loucura’”, ri.
Apesar da estranheza em um primeiro momento, Butler aprecia e retribui o carinho recebido. “Tenho sorte que um monte de DJs mais jovens que encontraram inspiração no que eu fiz que gostam de dividir e me expor a coisas novas. Sinto que é como um círculo completo, eu inspirei a eles e hoje eles me inspiram, então é muito gratificante”
Butler atualmente mora em Ghent, uma das cidades históricas mais importantes da Bélgica, mas iniciou sua carreira de mais de duas décadas estreando clandestinamente como DJ aos 15 anos em uma festa de Denver, sua cidade natal no estado americano do Colorado. Posteriormente se mudou para Nova York e, como idealizador do grupo Hercules & Love Affair, estreou em 2008 com um álbum homônimo elogiado por crítica e público. Com sucessos como "Blind" e "Hercules Theme", marcou uma era nas pistas de dança com músicas inspiradas pelo glamour decadente da disco music dos anos 70. Em seguida, vieram os discos Blue Songs (2011), The Feast of the Broken Heart (2014), e Omnion (2017), todos explorando de alguma forma as possibilidades dentro da club music. Em seu trabalho mais recente, In Amber, lançado em 2022, o foco sai do brilho da noite, abrindo espaço para uma sonoridade mais sombria e reflexiva. O motivo para essa guinada veio de um momento de introspecção e de preocupação com o mundo ao redor. “Senti a necessidade de me examinar mais. Por que estou vivo? Por que eu estou vivendo? Como será a morte? Que planeta eu vou deixar para trás? Para o que eu vou dizer adeus? O que é realmente importante?”, questiona.
Ele também explica que, para buscar respostas, precisou entender como a tecnologia ocupa espaço no seu dia-a-dia. “Hoje, todo mundo tem um celular, e os cérebros e vias neurais de todos nós mudaram em algum grau. Exige um esforço para criar uma distância entre você mesmo e a velocidade com que a vida está acontecendo no agora”, pondera. “Eu não quero viver uma vida de apenas reatividade. E quando essa é coisa (Butler mostra o celular) que está conduzindo a minha vida, e o que, eu odeio dizer, eu tenho que usar o tempo todo, no fim parece que a vida se torna uma série de reações”.
Com In Amber, o Hercules & Love Affair propõe um “álbum de anseios, para humanizar as coisas”. Para Butler, a experiência de dançar em uma festa cheia pode ser humanizante, mas também pode ser usada como uma forma de escapismo superficial. “Eu sou muito grato pelas pistas de dança, eu só penso que conversas precisam acontecer dentro e fora delas”, diz.
Com o apoio da habitual colaboradora Anohni e sua voz poderosa, Butler expressou essas angústias através de composição, produção e, mais do que em outros trabalhos, canto. Ele é intrigado pelo potencial da voz humana desde a adolescência, quando se emocionava ouvindo canções sem entender o que era dito pela intérprete . “Às vezes eram idiomas diferentes, mas ainda assim poderia mudar meu jeito de pensar ou sentir”, explica o músico. “Ou, se pensar no caso do (grupo escocês) Cocteau Twins, eu nunca entendia as palavras que ela (a vocalista Elizabeth Fraser) cantava. Mas, de alguma maneira, ela moldou a minha vida. E então ouço alguém que é bem explícita em relação ao que diz, como a Sinéad O'Connor, e as palavras e voz dela também mudaram minha vida. É um instrumento realmente poderoso”. Para o álbum, ele destaca que precisou se acostumar com o som da própria voz, e usá-la com orgulho. “Lobos fazem sons e nós fazemos sons, mas lobos não julgam as suas vozes. O humano é um animal, deve emitir um som. Você vai chorar quando precisar chorar, vai rir quando precisar rir, e vai fazer sons. Então, se você tem voz, use”.
Em meio a busca por propósito na vida, um dos aprendizados foi, justamente, foi levar algumas coisas menos a sério, legado de uma das parceiras da Hercules & Love Affair, a cantora Aérea Negrot, falecida em outubro. “Ela sempre conseguiu rir das coisas mais doidas, das coisas mais horríveis”, lembra ele, com carinho. E, apesar das preocupações externas não darem sinal de que vão diminuir, Butler não perde a confiança em quem constrói um novo futuro. “A minha geração fez algumas decisões ruins, em alguns casos conscientemente e em outros nem tanto, mas creio que os jovens de hoje em dia estão entendendo as coisas mais rápido, estão acordando mais rápido”, afirma.
“Eu conheço pessoas nos seus vinte e poucos anos, às vezes nem isso, e penso: ‘você meio que já tem uma compreensão sobre a vida. Não me preocupo contigo, eu acho que você vai ficar bem’. Comigo e com meus pares tinha uma incerteza maior, nós tínhamos menos informação, então fazíamos decisões menos informadas. Os jovens hoje estão equipados, com mais agência, porque estão mais informados”, observa Butler, orgulhoso e aliviado. “Minha mente fica um pouquinho mais tranquila sabendo como eles têm tantas habilidades. Tenho fé nas gerações mais novas”.

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