Mariana Dawas e Thiago Müller
O músico e ator gaúcho Zé da Terreira morreu na madrugada desta terça-feira (7) aos 78 anos em Porto Alegre. Ele morava na Casa do Artista Riograndense, mas estava internado no Hospital Vila Nova. Em nota, a Casa do Artista informou que Zé estava tratando uma doença autoimune.
José Carlos Gonçalves Peixoto da Silva – mais conhecido como Zé da Terreira, a partir de sua passagem na Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz – estudou no Departamento de Arte Dramática (DAD) da Ufrgs em 1969. No ano seguinte, foi para o Rio de Janeiro, onde conviveu nos anos 1970 com o grupo Tá na Rua. Logo seu talento de cantor e ator foi reconhecido e Zé foi chamado para integrar o elenco da primeira montagem no Brasil do musical Hair, apresentando-se no Canecão. Também participou como cantor no Festival Universitário de Música Brasileira.
Em 1984, de volta a Porto Alegre, trabalhou nos grupos teatrais Ói Nóis Aqui Traveiz e Oficina Perna de Pau. Ao longo dos anos, fez muitos shows musicais, especialmente com tambor e voz. Também foi ator de diversas peças de teatro e atuações de rua. Fez ainda o espetáculo solo Cartagena, em 2017, onde contava a história que mesclava a trajetória de um andarilho e as aventuras dos marinheiros Fernão de Magalhães e Cartagena em navegação pelo mundo. Cartagena teve temporada no Teatro de Arena e apresentações em diversos palcos, bem como performances na rua.
Cantor e ator, nasceu em Rio Grande, em 1945. Chegou a Porto Alegre de navio, quando tinha 17 anos. Em 2000, recebeu da Câmara Municipal de Porto Alegre o Prêmio Qorpo Santo pelos inúmeros serviços prestados à cultura local. Figura conhecida dos porto-alegrenses, o artista recebeu em 2009, o prêmio do Iphan, Personagens do Centro de POA.
Em 2002, Zé lançou o CD “Quem Tem Boca é Pra Cantar”, disco muito elogiado e que foi selecionado para receber financiamento do programa cultural Fumproarte, da prefeitura de Porto Alegre. O disco foi apresentado na íntegra, com participação de convidados, em shows no teatro Carlos de Carvalho na Casa de Cultura Mario Quintana.
Multiartista, Zé montou os shows Césio 137, na Terreira da Tribo, Tiro ao Álvaro, com músicas de Adoniran Barbosa, e África-Brasil, com apresentações ao ar-livre.
Além disso, participou, como cantor/ator nas peças Jacobina, Balada para um Cristo Mulher e A Exceção e a Regra, de Bertold Brecht – nesta, encenada pelo Ói Nóis Aqui Traveiz, em que participou também como compositor, ao lado de Johann Alex de Souza e Mário Falcão, musicando as letras do dramaturgo alemão.
"Zé era uma uma figura onipresente na cultura de Porto Alegre em várias áreas, nas artes cênicas, no teatro de rua, teatro de bonecos e na música. É o tipo de cara que se ajoelha no chão para cantar, que pula, que coloca o seu corpo e a sua voz a serviço da mensagem, não existe pessoa mais intensa do que o Zé", comentou Leandro Maia, amigo e colega nas artes.
"Colocar o Zé num estúdio é a mesma coisa que colocar um animal selvagem numa jaula. A ideia do Zé que a gente tem é desse cara indomável, mas ao mesmo tempo é extremamente doce, afetivo, carinhoso, intenso e, claro, sofisticado, dono de uma técnica vocal, de um repertório, de uma interpretação. Zé é um dos grandes cantores do Rio Grande do Sul, somado a sua vertente de ator ativista", acrescenta. "O fato de que morava na Casa do Artista Riograndense denota sua ausência de posses fruto da sua opção de vida como artista radical que sempre foi."
Multiartista, Zé da Terreira marcou a história da música e do teatro gaúcho (Foto: Fredy Vieira/Arquivo/JC)
Antonio Hohlfeldt, colunista de teatro do Jornal do Comércio, ressalta a importância histórica do artista e a Terreira da Tribo. O grupo, que teve como um dos fundadores o próprio Zé, e inclusive permaneceu em seu nome artístico até hoje, viveu um dos momentos mais difíceis da ditadura militar de 1964.
“Simplesmente fazer parte da Terreira da Tribo já era entrar na lista negra dos órgãos de repressão", aponta Hohlfeldt. Segundo ele, Zé da Terreira deixa para trás ”o significado de resistência da arte e do artista, em relação aos sistemas de opressão e de exceção.”
Além disso, para o jornalista, mais do que representar a Terreira, Zé representava os atores de Porto Alegre e Rio Grande do Sul. O escritor conta que o artista não deixava de frequentar a cena teatral e, principalmente o Theatro São Pedro. Lá, comentava sobre os espetáculos. “Eu acho que uma marca do Zé é exatamente bom humor. Sempre faz comentários bem-humorados, sempre simpático, mesmo quando ele eventualmente não gostava ou discordava de alguma coisa”, conta Hohlfeldt.
Luciano Alabarse, diretor de teatro e ex-secretário municipal de Cultura de Porto Alegre, conta que costumava encontrar Zé tanto nos espetáculos que dirigia, quanto nos que assistiam juntos. “Pessoalmente ele era muito delicado, uma pessoa que dava vontade de conversar, ficar junto, ficar perto”.
Alabarse conta que, quem acompanha o movimento cultural da cidade, se acostumou à encontrá-lo. “Ele era um homem de cultura, gostava de ficar às vezes nas esquinas tocando o tambor que ele tinha, cantando, fazendo música”. Para o diretor, o legado deixado é de harmonia, inteligência, atenção e cuidado, e complementa, dizendo que a recordação que vai ficar é essa: “um homem muito ligado a Porto Alegre, um dos símbolos da cultura da cidade”.
Em nota, a Casa do Artista lamenta a morte e celebra a vida e o legado de Terreira: "Zezão deixa um legado inesquecível para a comunidade cultural do nosso país e será para sempre lembrado com carinho por seus amigos, companheiros de cena e familiares", diz o texto.
Fábio Cunha, presidente da instituição, disse que a Casa amanhece com pesar, mas ressalta que, devido ao estado de saúde debilitado do artista "a gente está por um lado triste, mas também é um momento que ele descansa". Segundo Fábio, as informações sobre o velório serão divulgadas ainda nesta terça-feira.
Nas redes sociais, diversos artistas e instituições lamentaram o falecimento de Zé da Terreira. Além da Casa do Artista, a Secretaria Estadual da Cultura e o Bloco da Laje publicaram textos sobre a morte do artista, enaltecendo e reconhecendo o seu legado para o mundo as artes.
Leandro Maia relatou ainda que vem se inspirando em Zé nos seus últimos trabalhos. Em sua obra Palavreios, publicou um poema em sua homenagem, quando o artista ainda estava em vida: "A Zé da Terreira. Mesmo assentado, senta no assoalho. Mesmo grandão, dorme no chão. E perdido se acha o cara, coroa grisalho, comparsa, espantalho, dono da praça, passa apressado. Precisa de Pouco. De caso pensado, retorna ao trono. O rei dos palhaços, o gigante gnomo!"