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Música

- Publicada em 01 de Outubro de 2023 às 22:38

Ney Matogrosso bota o bloco na rua em apresentação eletrizante em Porto Alegre

Ney mostrou expansão do repertório interpretando e adaptando clássicos de outros artistas

Ney mostrou expansão do repertório interpretando e adaptando clássicos de outros artistas


EVANDRO OLIVEIRA/JC
No palco do Araújo Vianna, Ney Matogrosso parece gerar energia. Como uma torre eólica ou um dínamo, Ney se movimenta e parece tornar pulsante tudo que está sob seu alcance. Na sexta-feira (29), o artista veio a Porto Alegre e, em uma hora e meia de performances impressionantes, conectou quase 3,5 mil pessoas ao um repertório genial da mais alta voltagem.
No palco do Araújo Vianna, Ney Matogrosso parece gerar energia. Como uma torre eólica ou um dínamo, Ney se movimenta e parece tornar pulsante tudo que está sob seu alcance. Na sexta-feira (29), o artista veio a Porto Alegre e, em uma hora e meia de performances impressionantes, conectou quase 3,5 mil pessoas ao um repertório genial da mais alta voltagem.
De volta à capital gaúcha depois de pouco menos de um ano, quando participou do Festival MPB POA junto com Martinho da Vila, Marina Lima e Kleiton & Kledir, o artista trouxe sua turnê Bloco na Rua para uma casa lotada. Fruto do interesse de Ney em expandir seus horizontes musicais, o espetáculo contou com seletos sucessos da carreira, e regravações de outros artistas que, em sua voz, se consolidam como novos clássicos de um artista sem igual.
Pouco antes do show começar, o público já começa a aplaudir quando a banda assume seu lugar no escuro, e as palmas foram seguidas por gritos felizes após o vislumbre de uma silhueta se aproximando na penumbra. Às 21h15, as luzes se acendem e, em um estouro, Ney está no centro do palco, de rosto coberto por um capuz e o corpo como um pássaro esticando as asas. Caminhando em direção à plateia, ele abre o zíper da máscara para revelar o rosto maquiado e a expressão intensa no olhar, que intriga e exerce comando sobre o público desde as primeiras exibições televisionadas dos Secos & Molhados na década de 1970.
Uma das mais duradouras turnês da carreira de Ney Matogrosso, Bloco na Rua começou em 2019 e rendeu um disco ao vivo, que foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. Interrompida devido à pandemia de Covid-19, a turnê volta a percorrer o Brasil, com um significado ainda mais poético nas músicas do espetáculo, todas elas cantos de libertação e fascínio pela vida. Vestindo o figurino feito sob medida pelo estilista Lino Villaventura, em frente às projeções dirigidas por Luiz Stein e sob as luzes comandadas por Juarez Farinon, Ney Matogrosso mostrou que ele continua um dos artistas mais completos da cultura nacional: o porte físico invejável, a voz ainda tão potente aos 82 anos quanto em uma gravação do início da carreira e o dom de encantar a todos os públicos. 

Turnê 'Bloco na Rua' traz marcha rebelde de Sérgio Sampaio na abertura da noite

Turnê 'Bloco na Rua' traz marcha rebelde de Sérgio Sampaio na abertura da noite


EVANDRO OLIVEIRA/JC
A primeira música é a que dá o nome à turnê, a clássica marcha Eu quero é botar meu bloco na rua, escrita por Sérgio Sampaio e produzido por Raul Seixas, e que parece definir o que Ney Matogrosso vem fazendo desde que começou sua carreira em 1971. “Eu, por mim, queria isso e aquilo / Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso / É disso que eu preciso ou não é nada disso / Eu quero é todo mundo nesse carnaval” soa como um convite ao êxtase feito pelo cantor, e o público aceitou imediatamente.
O tom de rebeldia continuou com a próxima música, Jardins da Babilônia, uma homenagem a Rita Lee que subiu ainda mais a energia, que cantava e dançava junto, especialmente nas laterais do palco. Em seguida, vieram O beco, dos Paralamas do Sucesso e Já sei, uma das duas músicas do ícone da vanguarda paulista Itamar Assumpção na setlist.
Depois da abertura que estabeleceu bem a proposta do espetáculo, veio a hora de um dos pilares do repertório do artista, e também um dos aplausos mais longos da noite. Com autoria de Ednardo, Pavão Mysteriozo tem em Ney Matogrosso seu intérprete maior: ele expressa por inteiro a majestade e o maximalismo fundamentais para honrar a história épica originada em um folheto de cordel e transformada em protesto contra a repressão militar. O espetáculo seguiu com A Maçã, mais uma música da alma livre de Raul Seixas, que vinha acompanhada de projeções de cenas de sexo ao fundo, acentuando a temática de vanguarda da letra: “Se eu te amo e tu me amas / Um amor a dois profana / O amor de todos os mortais / Porque quem gosta de maçã / Irá gostar de todas / Porque todas são iguais”.
Em seguida, a hora da canção que, entoa Ney, “quem dera fosse uma declaração de amor”. A letra de Chico Buarque se junta à melodia do cubano Pablo Milanés em Yolanda, um momento que emocionou muitos fãs, que cantavam juntos os diferentes refrões, todos ancorados na palavra “eternamente”. Ele também fez uma dobradinha de sua parceria com Fagner na década de 70 com Postal de Amor e Ponta do Lápis, e interpretou outra letra de Rita Lee, Corista de rock, momento de reverência à Rainha do “roque enrow” nacional, acompanhado de palmas à ela e às imagens projetadas dos Secos & Molhados, e do revolucionário rosto pintado em branco e preto de Ney.

Ney encantou público extasiado na companhia de uma grande banda, projeções e luzes

Ney encantou público extasiado na companhia de uma grande banda, projeções e luzes


EVANDRO OLIVEIRA/JC
A expressividade de Ney Matogrosso, característica basilar de quem ele é nos palcos, estava próxima de hipnotizante. Uma fã do artista estava ao lado da reportagem do Jornal do Comércio e questionou porque poucos estavam de pé assistindo, e de fato a maior parte permaneceu sentada durante quase todo o espetáculo. Na expressão facial de dezenas de pessoas se via o motivo: queixos caídos, olhos bem abertos, atenção completa ao artista tão desenvolto no palco. A versão de Já que tem que, de Itamar Assumpção, proporcionou um exemplo claro disso, com o duelo/dança sensual entre o corpo serpentino do cantor e o som do trombone do brilhante Everson Moraes.
Acompanhando perfeitamente o ritmo que Ney dava às suas interpretações, Moraes era um dos nomes da banda excelente formada por Sacha Amback na direção musical e teclado, Marcos Suzano e Felipe Roseno na percussão, Dunga no baixo, Mauricio Negão na guitarra e Aquiles Moraes no trompete.
Ecoando a versatilidade do cantor para transitar entre diferentes gêneros, os artistas da banda foram do melancólico ao estimulante, como no arranjo de funk eletrônico feito para O último dia, de Paulinho Moska. Na voz de Ney Matogrosso, o apocalipse urbano de “o que você faria / se só te restasse um dia? / Se o mundo fosse acabar / Me diz o que você faria?” soa como o questionário de uma esfinge, acompanhada de fantásticos passos de funk e rebolado. Por alguns minutos, o público foi levado ao Baile do Ney, enigmático e filosófico.

Espetáculo lotou o Araújo Vianna na noite de sexta-feira (29)

Espetáculo lotou o Araújo Vianna na noite de sexta-feira (29)


EVANDRO OLIVEIRA/JC
Encerrando o tempo normal do show, a definitiva referência aos Secos & Molhados e ao viés libertador de Bloco Na Rua com Sangue Latino, acompanhado do público que cantou a música do começo ao fim.
Se dirigindo ao público, Ney agradeceu o carinho e elogiou o público - segundo o cantor, os porto-alegrenses "sempre arrasam". Assim, antecedeu a continuidade: “Oficialmente o show acaba aqui, mas vou ali dentro tomar um gole d’água e volto”. Após um dos goles de água mais rápidos dos palcos de Porto Alegre, Ney retornou em poucos segundos para um bis de quatro músicas.
A primeira foi Como 2 e 2, música de Roberto Carlos eternizada por Gal Costa. Destoante do esperado, e possivelmente uma homenagem à grande amiga, Ney apresentou uma versão delicada, íntima, quase sussurrada, mostrando um de seus lados mais sensíveis como intérprete. Ele seguiu com uma de suas músicas-assinatura e uma das favoritas do público, a profunda Poema, composição de um dos seus maiores amores, Cazuza.
Logo em seguida foi a vez de Ex-amor, o samba dolorido e intenso autorado por Martinho da Vila. Por último, o fim perfeito com Homem com H, a mais cantada da noite pelo público. Ney saltava pelo palco cada “cobra”, “homem” e “pega”, com uma conclusão efusiva no “come”, um dos vários detalhes que fizeram da noite uma demonstração de uma força e talento sobre-humanos, vinda de um artista que canta a beleza de ser humano como ninguém.
Ouvindo os pedidos de um segundo bis, Ney acabou voltando ao microfone para uma nova despedida: “Tudo que a gente tinha ensaiado a gente fez, não tem como fazer mais nada”, se justificou, com um sorriso atencioso. “Muito obrigado mesmo. Foi um prazer enorme estar aqui”.

Homenagens a Gal Costa e Rita Lee marcaram apresentação memorável

Homenagens a Gal Costa e Rita Lee marcaram apresentação memorável


EVANDRO OLIVEIRA/JC
Na saída do show, as conversas entreouvidas citavam a voz espetacular e a presença magnética, e eram acompanhadas de confissões de fãs que reconheciam ser fisicamente incapazes de executar os movimentos de Ney. À reportagem, admiradoras expressaram satisfação e fascínio com a apresentação.
“É o meu primeiro show e eu queria vir muito, comprei em cima da hora e consegui. Estou muito feliz mesmo”, disse a consultora Katherine Minella, moradora de Porto Alegre que foi sozinha para o show e lá fez amizades, cantou quase todas as músicas junto e realizou um sonho de décadas. “O Ney tem muito molejo, tem muito swing, e ele representa muitas gerações”, opina.
Vindo com duas amigas em um bate-volta de São Sebastião do Caí ao Araújo Vianna apenas para ver o cantor de perto, a professora aposentada Regina Kayser afirma que Ney é admirável tanto como artista quanto indivíduo. “Já fui a outros shows dele, e não dá para perder essa oportunidade. Tem toda uma história que ele tem e traz, as várias épocas do Brasil que ele passou, e ele tem uma essência de posicionamento que eu gosto muito”, explica Regina. “Acho que ele se aprimora, cada vez mais.”
Uma das amigas de Regina, a vendedora Neusa Machado nunca tinha visto Ney nos palcos, e depois da apresentação comemorou a oportunidade e a parceria da noite. “Tô de parabéns com essa amiga que me carrega pros lugares”, disse sorrindo para Regina, enquanto contava suas impressões sobre o show. “Maravilhoso, amei, adorei. Ele mostra o caráter dele, a alegria… e o corpo sarado nessa idade, ele deve ter um preparador físico, pilates em cima daquilo ali”, ri Neusa. “Ele passa uma energia muito boa pra gente, e eu me encantei”.