Para ouvir o que a Terra diz

Camila Proto, artista mais jovem a ter uma mostra individual no MARGS, traz as narrativas da natureza em seis obras

Por JC

Trabalho com visitação gratuita em Porto Alegre de terça a domingo traz as narrativas da natureza em seis obras
Buscando ouvir, ler e entender as narrativas que criam e que emergem da natureza, Camila Proto se tornou a artista mais jovem a ter uma exposição individual no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), inaugurada neste sábado no espaço. Com curadoria de Diego Hasse, a mostra Terralíngua traz seis obras que propõem uma escuta das vozes do planeta. A exposição fica em cartaz até outubro, com visitação gratuita, de terça a domingo, das 10h às 19h.
Aos 26 anos, a artista explora as potencialidades da imagem, do som e da linguagem em sua primeira exposição no MARGS. Através de diversos suportes, as seis obras estreitam as relações entre a fala e a Terra: nos traz como a natureza fala e como falamos da natureza, em uma eterna troca de construções.
Dissolvendo as fronteiras entre arte e ciência, Camila conviveu com essas duas temáticas desde cedo. Com a mãe paleontóloga e o pai arquiteto, viu nos dois extremos do mesmo material — a natureza — um lugar para fazer o seu criar. De um lado, o caráter histórico da rocha fossilizada, que nos traz vestígios materiais dos mais variados seres — que nunca estiveram entre nós, mas que podemos descobrir muito sobre, apenas lendo os resquícios deixados por eles nas entrelinhas dos minerais. Do outro lado, a rocha que, a partir da ideia e da mão de um ser-humano, se transforma nas marcas que construímos no mundo de hoje, edificando a nossa história.
No meio de tudo isso, Camila percebeu uma linguagem que conta uma história — e é essa linguagem que a artista busca entender. "A natureza, o planeta também tem as suas narrativas. Como se dá essa linguagem? Quais são esses espaços de inscrição, que suportes são esses?", reflete Camila. "Essa questão da formação, da construção, da composição também está o tempo inteiro sendo colocado em xeque na exposição. A capacidade do humano de fazer tudo isso. É a nossa visão, é o nosso gesto em cima do mundo que nos permite criar essas coisas. E eu acho que a exposição é um elogio a isso."
Além disso, ao prestar atenção no que é dito sobre e nos diz a Terra, a mostra dá espaço para novas narrativas — ou sugere que as criemos. "É um trabalho que vem pra brincar — não digo problematizar, mas questionar as narrativas dominantes e tradicionais do que a gente entende enquanto planeta e do que a gente entende enquanto linguagem, também", comenta.
Assim como a natureza utiliza os mais variados suportes para apresentar suas narrativas, Camila também traz diferentes materiais para expressar sua arte. Em uma exposição multimídia, as manifestações estão demonstradas através de filmes, trabalhos em desenho, instalações tecnológicas, entre outros. Desde a graduação em Artes Visuais na Ufrgs a artista teve dificuldade em se encaixar nos suportes convencionais.
"Eu não me encontrei muito de cara em nenhum atelier, nenhum suporte muito tradicional. E na verdade foi no texto onde eu primeiro me encontrei: a gente tinha uma disciplina de texto e foi onde eu comecei a entender que o texto poderia ser expandido, sair da literatura e formar outro suporte", relembra. "A partir disso eu comecei a experimentar o vídeo, a instalação, a programação… Todas as mídias que suportam o texto, porque na verdade o meu trabalho inteiro parte da narrativa."
Depois do mestrado e, atualmente, cursando o doutorado na UFRJ, Camila diz ter encontrado os meios para transmitir a sua voz, mas ainda traz nas suas produções um caráter conceitual muito mais forte do que os meios pelos quais se expressam. "Sou mais madura em relação às coisas que me movem e os modos como eu posso expressar essas questões. Acho que também pelas oportunidades que eu tive de visitar museus diferentes, de conhecer trabalhos em várias mídias, isso foi me abrindo caminhos para entender que o suporte era, na minha prática, secundário. Primeiro parte da narrativa, do conceito, e a partir dali eu desdobro as materialidades."
Agora, a poética artística de Camila, que traz a linguagem e a narrativa como obras primas, pode ser explorada num dos museus de maior referência do Estado. "Nem sei muito como me sentir. Acho que é um momento de bastante trabalho e alegria. Esse projeto já tá há um tempo engavetado e finalmente ele tá chegando ao público, isso me dá muita satisfação."