Grafiteiro gaúcho, Trampo leva sua arte a exposição em São Paulo

Grafiteiro gaúcho, Trampo expõe obra em exposição em São Paulo

Por Andressa Pufal Leonarczik

Grafiteiro gaúcho, Trampo leva sua arte a exposição em São Paulo
Andressa Pufal Leonarczik
 
Desde a antiguidade, os seres humanos carregam o desejo inalienável de se expressar, seja através da fala, de gestos, da escrita ou da arte. Essa vontade de deixar a nossa marca, o registro de nossa existência, se faz presente há mais de 40 mil anos, desde as pinturas rupestres. Encontradas nos interiores de cavernas, elas nos contam como era o cotidiano de quem vivia naquela época. Do ambiente interno e doméstico, essa arte foi tomando as ruas e se moldando ao que temos hoje: a arte urbana, expressão máxima dos espaços públicos.
Essa linha do tempo é o que traz a exposição "Além das ruas: histórias do graffiti", em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Com curadoria de Binho Ribeiro, a mostra reúne 76 obras de 51 artistas, nacionais e internacionais, e busca contar a história dessa arte tão presente em nossos itinerários e que carrega tanto significado. Entre os nomes presentes na exibição, está o do gaúcho Luis Flavio Trampo, ou Tio Trampo, artista visual, arte-educador e ativista social.
Nascido em Porto Alegre, em 1972 — década em que as ruas fervilhavam com a recém chegada cultura da arte urbana —, Trampo é um dos pioneiros do grafite na capital. Com estilo ímpar e traços marcantes, o artista tem como inspiração principalmente a geometria sagrada, arte naif, espiritualidade e a natureza. Em Porto Alegre, a arte de Trampo colore o cinza da cidade em vários pontos — alguns já perdidos, dada a fugacidade deste tipo de intervenção. O mais recente é no Edifício Salomão Ioschpe, no número 462 da rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa.
Na mostra em São Paulo, sua obra Vigília foi feita especialmente para a ocasião e dá boas-vindas a quem entra no museu. Trazendo muita cor e geometrias, a obra se assemelha a um totem, feito com mural de spray sobre placas de MDF que encobrem uma estrutura de ferro que se engrandece na entrada do espaço. Com total liberdade para criar sua obra para a exposição, Trampo externalizou um estudo que vem realizando nos últimos tempos, que mescla a geometria com o sagrado — tema que, inclusive, está presente no mural que o artista está executando em uma das paredes na esquina das ruas José do Patrocínio e República, também na boêmia Cidade Baixa. "Criei o meu imaginário criativo observando muito o grafite. Não só referência internacional, mas bastante coisa de São Paulo; meu foco sempre foi o movimento hip hop e os artistas desse segmento", explica Trampo.
Décadas depois de firmar suas referências nos colegas e na arte brasileira, Trampo divide agora o espaço do museu com os artistas que o ajudaram a moldar sua identidade. "É muito simbólico estar no mesmo espaço que esses grandes nomes da arte urbana", comenta. "Eu, no Sul, sonhava com tudo isso, desde os 14 anos de idade, admirando e olhando nas revistas… Hoje eu estou presente com esses artistas, com uma obra na entrada da exposição."
Artista urbano veterano, já teve suas obras presentes em grandes exposições nacionais e internacionais e tem como um dos pilares de suas referências artísticas a ebulição cultural do tradicional bairro Bom Fim dos anos 1980. Na época, o movimento artístico era espaçoso, ocupando os interiores, os exteriores e, até, os próprios muros da cidade. Além disso, as cores das tintas da mãe, que era artesã, ajudaram a colorir o imaginário do artista, fazendo com que o cinza opressor da cidade virasse sua tela.
"Toda arte urbana é válida: transformar o cotidiano cinza em arte. Pode ser algo que tu olhas e, de primeira, não entende. Mas aí vai passando de ônibus, vai caminhando e aquilo vai entrando no subconsciente. Eu acho que isso aí já é uma transformação social bem importante."
Presente em qualquer lugar que a mão humana alcance, o grafite nos pega de surpresa e nos é companhia pelos percursos diários: nos acompanha nas caminhadas triviais, embeleza as paisagens emolduradas pelas janelas dos transportes e nos faz, acima de tudo, pensar. Efêmera por natureza, em constante batalha com a frenética transformação das cidades, a arte urbana tem como seu principal suporte a memória dos indivíduos. Quem passa por um muro grafitado e é fisgado pelos olhos, não esquece. Mesmo que anos depois a especulação imobiliária transforme em concreto cinzento o que um dia conseguiu ser arte.
Depois de muito colorir o cinza dos muros que contornam as ruas das cidades, agora colorem os brancos das paredes dos museus. "Isso é de extrema importância", acentua Trampo. "A arte urbana é uma transformação social, e eu estar sendo reconhecido nacionalmente por fruto do meu trabalho é motivo de grande orgulho."