Embora a cena musical como um todo tenha sido prejudicada pela Covid-19, não é exagero dizer que o universo do punk e hardcore sofreu um abalo ainda mais drástico do que a maioria dos demais estilos. Afinal, é uma cena que vive de seu próprio público, que existe e se expande com pouco apoio externo, a partir dos próprios eventos e iniciativas. Embora o pior da pandemia, felizmente, já esteja bem para trás, vários eventos seguem tendo um sabor de reencontro - o que é o caso, sem dúvida, com a turnê We Are One. Sem acontecer no Brasil desde 2019, o festival itinerante trará quatro importantes nomes do estilo a Porto Alegre nesta quinta-feira, no URB Stage (rua Beirute, 45).
As principais atrações são os suecos do Millencolin e do Satanic Surfers, dois expoentes mundiais do chamado skate punk - além deles, o festival traz os norte-americanos do Cigar e a 69 Enfermos, um dos nomes de destaque no cenário brasileiro do estilo. A casa abre às 18h, e ainda há ingressos a venda, com valores a partir de R$ 150,00, pelo site Bilheto.
O giro era para ter passado pela Capital em 2021, quando já se acreditava que a pandemia estava nos deixando em paz - mas problemas de agenda e logística fizeram com que o We Are One fosse novamente adiado e só viesse a acontecer agora. Nada mais natural, portanto, que haja muita expectativa em torno dos shows - incluindo entre os músicos do Millencolin, acostumados a ser muito bem recebidos no Brasil e que há seis anos não visitam nosso País. "Estamos muito animados de finalmente estarmos de volta. Nós sempre consideramos o Brasil como um dos melhores lugares do mundo para tocar, então mal podemos esperar", diz o baterista Fredrik Larzon em conversa com o JC.
O conjunto sueco estará promovendo seu álbum mais recente, SOS, lançado em 2019 e que teve a divulgação cortada ao meio pelo isolamento pandêmico. Mais do que uma nova chance de apresentá-lo aos fãs, a banda garante que várias das músicas têm despertado forte reação nos shows recentes. "Nós temos bastante orgulho desse disco, consideramos que é um dos nossos melhores trabalhos até hoje. E a maioria dos sons bate forte ao vivo também, então você pode esperar um circle pit (espaço aberto pelos fãs no meio do público para agitar de forma mais entusiasmada) maior do que nunca!"
Formado em 1992, o Millencolin traz a conexão com o universo do skate desde sempre - o próprio nome da banda faz referência a uma manobra corrente entre skatistas. Outra coisa que nunca mudou na banda é a formação: Nikola Sarcevic (voz e baixo), Mathias Farm (guitarra) e Erik Ohlsson (guitarra) são os membros fundadores, e o próprio Larzon entrou na bateria logo após a primeira demo, assumindo o lugar do próprio Mathias, que passou das baquetas para a guitarra solo. "O fato de que nos conhecemos por praticamente toda nossa vida adulta facilita com que a gente siga se dando bem. A gente sabe quando baixar a bola ou quando alguém da banda precisa de espaço" explica Larzon.
O que não quer dizer, é claro, que as coisas nunca mudem. Com o tempo, o espírito bem-humorado de álbuns como Life on a plate (1995) e For monkeys (1997) foi ganhando contornos mais sérios, ainda que sem deixar de lado a energia de sempre. É justo dizer que SOS é um dos discos mais politizados da carreira do quarteto, o que, segundo Larzon, não é coincidência. "No começo da nossa carreira, não misturávamos temas políticos com a nossa música. Acho que estávamos mergulhados demais em nossas próprias coisas, por assim dizer", admite. "Na medida em que o tempo foi passando, começamos a escrever mais sobre coisas com as quais nos sentimos conectados hoje em dia. Os ventos políticos e ambientais da atualidade realmente fazem com que você sinta vontade de tentar mudar as coisas", reflete o baterista.
Se o mundo vai exigindo uma postura mais séria, isso não significa que o bom humor e o espírito leve tenham que ficar para trás. O que é especialmente verdade para uma banda que sempre apreciou a vida na estrada. "Temos planos de seguir excursionando durante este ano, e provavelmente teremos alguns shows em 2024 também", revela. "Estamos escrevendo novas músicas o tempo todo e esperamos ter algo novo sendo lançado muito em breve."
Além do Millencolin, o festival We Are One trará outra formação sueca, ainda que com um toque uruguaio: ícones do hardcore melódico, o Satanic Surfers tem como único membro original o vocalista Rodrigo Alfaro, nascido no país vizinho. Surgido no final dos anos 1990, o conjunto retornou com força total em 2014, depois de um período de hiato, e seu mais novo trabalho, Back from Hell, é de 2018. Outra banda que ficou algum tempo em hibernação, o trio norte-americano Cigar lançou um pequeno clássico underground, Speed is relative (1999), antes de tirar 20 anos de folga - o segundo CD, The Visitor, finalmente saiu no ano passado. Abrindo a noite, os porto-alegrenses da 69 Enfermos têm obtido destaque no cenário do hardcore melódico / skate punk, com show em 18 países e participações nos principais festivais internacionais do estilo.