Recentemente foi notícia nos jornais nacionais que na ilha mais distante da costa brasileira, a 1.140 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo, foram encontradas rochas feitas com resíduos de redes de pesca. A ilha é inabitada e com acesso restrito pela Marinha brasileira, entretanto, a poluição, que não sabe o significado de barreira, conseguiu chegar. As rochas, que antes eram só compostas por materiais naturais, como minerais, ganharam uma nova matéria prima: o plástico. A ação do homem agora influencia em processos que, até agora, eram essencialmente orgânicos.
O meio ambiente dá sinais de alerta. Sinais que alguns ignoram estão sendo captados e retransmitidos por várias pessoas. Uma das pessoas que se junta ao grito da natureza é Nara Guichon, tecelã e ambientalista gaúcha. Nara faz da preocupação ambiental motor para a sua arte, transformando em imponentes obras de arte redes de pesca retiradas das áreas litorâneas. Representando cerca de 50% da poluição dos mares, essas redes são recolhidas do litoral de Santa Catarina, local onde a artista atualmente reside. "O que ninguém se interessa, ninguém vê, eu vejo. Eu vejo beleza. E me interessa mostrar o que tá acontecendo", comenta Nara. A artista nos apresenta em suas obras o mar que não vemos, chamando atenção para a desenfreada e inconsequente produção e descarte de lixo por parte da sociedade.
Nara começou a sua relação com o têxtil desde cedo: aos quatro anos já tricotava. O que era uma atividade de afeto doméstico, se tornou sua profissão. O impulso artístico natural de quem usa as mãos para transformar as coisas em arte não pôde deixar de ser seguido por Nara. A ambientalista se mudou para Santa Catarina e começou a perceber que as marés traziam de volta para nós a sujeira que depositamos na natureza. Montanhas de lixo e de redes de pesca se confundiam com a areia e modificavam a paisagem litorânea. Nara decide, então, seguir o fluxo dos mares e retirar das praias o que o oceano não quer para si.
Dessas redes de pesca, Nara fez diferentes tipos de peças, como acessórios, roupas, esponjas, objetos decorativos e obras de arte. Para transformar essas redes descartadas em objetos significativos, a artista se utilizou do que transformou ela em artista. As agulhas que ela usava desde a infância — que trazem consigo uma herança matriarcal, uma simbologia do que as mulheres são capazes — agora se transformam em ferramentas de mudança social. A voz das praias é tecida por meio das mãos de Nara.
A agulha compõe peças tão imponentes quanto o lixo que vemos na natureza. Com algumas obras medindo mais de 5 metros, as artes da ambientalista são feitas propositalmente com proporções grandes e volumosas, para representar o tamanho da poluição nos mares (as redes de pesca representam 46% do plástico nos oceanos). "Eu faço as obras em tamanhos bastante impactantes, porque o lixo é tão imenso que essa obra de arte não pode parar de crescer, porque o lixo nunca para de crescer," diz "mas isso também mostra nossa imensa capacidade de ressignificar."
A poluição é tanta, que a natureza está ficando cansada de devolver: até a praia deserta do Espírito Santo está incorporando o lixo plástico no seu ecossistema. Mas não podemos deixar com que essa correnteza nos leve e nos forje em algo mais rígido que a rocha. "Parece que a humanidade está em um estado de dormência. As pessoas estão aceitando essas questões e seguindo com suas vidas," desabafa, "e eu quero ser a voz dos oceanos. Quero fazer as pessoas verem a quantidade de lixo na natureza."
Nara, aos poucos, devolve ao mar e à gente a transparência. Retira do lugar onde nunca deveria ter estado e coloca em frente dos nossos olhos. A onda cospe fora o que não lhe pertence e ela pega pra si assumindo que aquilo é nosso. Assim, ela modifica hidrografias, correntezas, profundidades.