Tiago Dinon Carpenedo
Nas últimas semanas, as cifras das bets vieram a público e chocaram boa parte da sociedade, devido ao valor financeiro altíssimo e à proporção da população que realiza apostas esportivas. O estopim da polêmica foi um estudo do Banco Central que estima que, dos R$ 14 bilhões distribuídos em agosto de 2024 aos beneficiários do Bolsa Família, R$ 3 bilhões (cerca de 20%) tenham sido enviados para as bets. Brotaram ideias para restringir o uso do valor para apostas, como proibir o uso do cartão do benefício nessas plataformas.
Não sou beneficiário do Bolsa Família nem apostador contumaz de bets - muito menos favorecido por elas. Minha experiência se limita a algumas apostas recreativas esparsas, em valor inferior ao de um pão de queijo.
Acredito firmemente que as apostas online não permitem ganhos financeiros de longo prazo para 99% dos participantes. Ao contrário, tendem a destruir as finanças daqueles que apostam alto e tratam isso como uma profissão. No entanto, perder é tão natural em uma economia livre quanto ganhar dinheiro. E aí se incluem os equívocos que as pessoas cometem com os seus recursos, mesmo que pareçam ter sido feitas de trouxas.
A base de nações desenvolvidas e prósperas é a liberdade econômica. E a base da liberdade econômica é o livre-arbítrio. No exato momento em que o governo envia o recurso dos seus cofres para o beneficiário do Bolsa Família, esse dinheiro troca de propriedade: deixa de ser do Estado e passa a ser do cidadão; deixa de ser alvo de política pública e passa a ser de orçamento doméstico. Seu desenho como programa social é justamente a transferência de renda diretamente para as famílias, permitindo que usem como lhes convir.
Nesse debate, o contexto institucional do país é fundamental: estamos nos consolidando como um Estado-babá, no qual os cidadãos são vistos como frágeis e infantis e, por isso, devem ser tutelados pelo governo.
Legisladores acreditam ser papel do ente público regular se um saleiro deve ou não ficar disponível na mesa de um restaurante, pois o cliente não teria discernimento para usá-lo. A Suprema Corte intervém na liberdade de expressão de criadores de conteúdo, pois a audiência não teria condições de discernir entre boas e más opiniões.
Historicamente, os governantes adoram tomar para si graus de liberdade que antes eram devidos ao próprio indivíduo, pois garantem maior poder sobre a vida da população. Nesse ritmo, seria distópico imaginar o Estado regulando a fração do seu orçamento que pode ser gasta em bebidas alcoólicas, o máximo de gorduras saturadas que pode ingerir por dia ou seu tempo máximo semanal para utilizar redes sociais?
Há muitas questões a serem abordadas pelo Estado sobre as bets, como tributação isonômica e prevenção a crimes financeiros. Como em relação a qualquer setor que cresce abruptamente, o Estado enfrenta dificuldade de compreender o fenômeno.
Mas, por mais ilógico que possa parecer alguém com poucas condições utilizar seu pouco dinheiro em apostas online, a melhor saída não é a proibição, e, sim, educação.
Enquanto isso, o presidente Lula reitera que o objetivo de seu governo é "colocar o pobre no orçamento". Parece mais que quer "colocar os dedos no orçamento do pobre".
Vice-presidente do IEE