Daniela Russowsky Raad
As eleições presidenciais da Venezuela vêm causando alvoroço no cenário internacional, e não é à toa. A "reeleição" de Nicolás Maduro provocou a manifestação de países saudando a continuidade da ditadura ou condenando o governo autoritário por fraude eleitoral.
Indicado como sucessor por Hugo Chávez e assumindo o comando do país em 2013, o governo socialista de Maduro provocou uma onda migratória enorme, com mais de 7 milhões de cidadãos deixando sua pátria. Internamente, em meio à crise econômica, a população venezuelana vivenciou o aumento da criminalidade, a decadência da economia local e a falta de itens básicos para subsistência. Sob a ditadura, os efeitos do declínio econômico e social, bem como o resultado das eleições, não são uma surpresa.
O que merece especial atenção dos brasileiros, entretanto, é a postura que os nossos representantes políticos adotam diante de acontecimentos como esse. Os gritos de "democracia" e "amor" só têm valor real quando refletem em ações. Após mortes, prisões e desaparecimentos nas recentes manifestações na Venezuela, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil emitiu uma nota saudando "o caráter pacífico da jornada eleitoral".
Na mesma semana em que o presidente Lula declarou não haver nada de "anormal" ou "grave" nas eleições venezuelanas, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, foi ao Irã para a cerimônia de posse do novo presidente da República Islâmica. Lembro: o país do Oriente Médio vive sob o jugo do seu líder supremo, Ali Khamenei, que está na posição há 35 anos. Oposta a uma sociedade democrática, livre e de "amor", a teocracia islâmica é conhecida por cometer crimes contra a humanidade, como execuções, torturas, estupros e perseguições de gênero.
Além do nosso vice-presidente, estavam presentes na cerimônia os líderes do Hezbollah, do Hamas, da Jihad Islâmica e dos Houthis - nenhum desses, diga-se de passagem, reconhecido como grupo terrorista pelo governo brasileiro. Logo após o assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, o MRE do Brasil não hesitou em condenar veementemente o ato. Mas isso também não é uma surpresa.
Nem o governo do Irã, nem da Venezuela, falam a verdade sobre o que cometem: violência, tirania e privação da liberdade. O mecanismo de manipulação é o mesmo, e precisamos ter cuidado. A democracia e a liberdade são valores incompatíveis com o autoritarismo.
Também é incompatível dizer respeitar os direitos humanos e cometer crimes contra a humanidade, assim como celebrar a democracia e perseguir oponentes. O "amor" e a "democracia" que o governo brasileiro diz defender são compatíveis com a sua posição no cenário mundial? A foto que mostra Alckmin próximo a Haniyeh e as imagens de Lula tratando Maduro como chefe de Estado autêntico em visita a Brasília respondem à pergunta.
Diretora de Relações Internacionais e do Fórum da Liberdade do IEE