A comédia A viúva Pitorra é um texto que evidencia bastante bem a relação entre a criação literária e dramática de João Simões Lopes Neto, bem como sua experiência jornalística, atenta aos fatos imediatos do contexto do autor e do espectador. Escrita em 1896, portanto, apenas um ano depois da chamada Revolução Federalista ocorrida no Rio Grande do Sul, toma como ponto de partida um fato que, aparentemente, não seria tão inusitado na época: o desaparecimento de soldados, muitas vezes dados como mortos em campo de batalha e que, no entanto, algum tempo depois, eram reencontrados (ou reencontravam) suas famílias. Nesta 'comédia dramática', a primeira que Simões Lopes Neto escrevia e assinava sozinho, ainda que sob o pseudônimo de Serafim Bemol (que também usava em crônicas distribuídas pelos diferentes jornais de Pelotas), Ramão vai visitar a viúva Eulâmpia, a quem acompanhou numa recente viagem, e por quem está interessado tanto do ponto de vista amoroso, quanto financeiro, pois ela lhe poderá facilitar um emprego de que anda necessitado. Eulâmpia é irmã de Flaviana, a viúva que dá título à obra, que perdeu seu segundo marido e espera apenas vencer o ano de recolhimento da morte do esposo, para sair em procura de outro...
No enredo, entram um caixeiro, Cidreira, que igualmente está interessado na viúva Pitorra, e o menino Tonico, filho de Pitorra, um endiabrado que azucrina a vida da tia e do seu pretendente.
Toda a cena, com pouco mais de uma hora de duração, ocorre na sala de visitas. Ali chega Ramão, à procura de Flaviana, assim como ali vai ter Cidreira, levando as peças de moda que Flaviana lhe havia encomendado. Segundo a dramaturgia das peças de enredo que o final do século XIX havia popularizado na França e se popularizaram em todo o mundo, Flaviana descobre que Ramão é seu desaparecido marido e, como tal, pai da Tonico. Eulâmpia sai perdendo, porque o caixeiro se revelou um interesseiro de marca maior, mas o final da peça consegue arrumar todos os interesses.
A dramaturgia de Simões Lopes Neto é eficiente, tanto que o espectador, envolvido na tramoia, nem sente o tempo passar. Há tiradas cômicas, além de algumas observações comportamentais oportunas e reveladoras do que deveria ocorrer na sociedade pelotense (e sul-rio-grandense) da época: de certo modo, as personagens femininas são bastante independentes para a época e, neste sentido, o dramaturgo lhes evidencia simpatia, sobretudo em face das duas figuras masculinas, que têm menor força dramática.
Na encenação do Grupo Entremez de Teatro, de Pelotas, sob a direção de Valter Sobreiro Júnior, que também assina a música original e a cenografia, temos tudo bem equilibrado, com bom ritmo, muito fiel à concepção mais comum da época e ao clima que a comédia sugere. Os figurinos de João Bachilli reforçam a ambientação, para além dos penteados de Sandra Passos (inclusive cabeleiras para os homens; o penteado de Cidreira, por exemplo, ridículo, define por si mesmo o caráter do personagem). Sobreiro foi auxiliado por Letícia Silva, na direção de cena, garantindo o ritmo que é fundamental neste tipo de trabalho.
No elenco, Sandra Viégas, como Flaviana, evidencia a frivolidade e a desfaçatez fingida da falsa viúva entristecida pelo luto, enquanto Roberta Pires, como Eulâmpia, é mais expedita - mas ambas compõem muito bem seus tipos, contracenando com Luiz Amaral, que vive o reaparecido Ramão, ao lado da característica e simplória figura de Cidreira, muito bem encarnada por Germano Rush. No entanto, quem rouba a cena, totalmente, é o menino Luiz Figueiredo, estreante de apenas 13 anos de idade, interpretando Tonico: está solto em cena, engraçado, natural, lépido, inesquecível.
Em resumo, a montagem cumpriu o que deveria ser realizado: é fiel ao dramaturgo, fiel ao texto, fiel ao contexto da época em que foi criada. Pode-se ter uma clara percepção das qualidades do dramaturgo Simões Lopes Neto que, sem maiores aspirações, divertia-se escrevendo suas peças dramáticas, assim como divertia seu público: hoje, é como uma brecha aberta na cortina do tempo, permitindo-nos compreender os valores e os interesses que moviam aquela sociedade. Apesar de ter estado inativo durante muito tempo, Valter Sobreiro Junior mostrou que não perdeu nem a experiência, nem a criatividade.