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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 20 de Fevereiro de 2025 às 20:48

Tem assunto demais neste texto

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Antonio Hohlfeldt
Concluímos mais um Porto Verão Alegre, com uma programação quantitativamente enorme e apresentando variedade de espetáculos, inclusive estreias. Um dos trabalhos revelados foi A ponte dos porcos, original de Letícia Mendes, que também interpreta a protagonista. O texto desse espetáculo pode ser pensado como uma parábola, à maneira de George Orwell, autor, aliás, explicitamente referenciado na montagem, pois é dele o livro que a jovem Isabel recebe de presente no dia de seu aniversário. Do ponto de vista de concepção da peça, lembra um pouco os primeiros trabalhos de Bertolt Brecht, mesclando o texto dramático e a música, o que dá dinamicidade ao espetáculo. Com hora e meia de duração, formalmente dividido em três atos, pelo que se lê no folder de divulgação, na verdade, a encenação a que assisti no Teatro Olga Reverbel foi compacta, sem qualquer intervalo, o que sem dúvida ajudou ao desenrolar da montagem, que é demasiadamente longa e, o mais grave (do ponto de vista da narrativa), mistura uma multiplicidade de temas, sem maior aprofundamento.
Concluímos mais um Porto Verão Alegre, com uma programação quantitativamente enorme e apresentando variedade de espetáculos, inclusive estreias. Um dos trabalhos revelados foi A ponte dos porcos, original de Letícia Mendes, que também interpreta a protagonista. O texto desse espetáculo pode ser pensado como uma parábola, à maneira de George Orwell, autor, aliás, explicitamente referenciado na montagem, pois é dele o livro que a jovem Isabel recebe de presente no dia de seu aniversário. Do ponto de vista de concepção da peça, lembra um pouco os primeiros trabalhos de Bertolt Brecht, mesclando o texto dramático e a música, o que dá dinamicidade ao espetáculo. Com hora e meia de duração, formalmente dividido em três atos, pelo que se lê no folder de divulgação, na verdade, a encenação a que assisti no Teatro Olga Reverbel foi compacta, sem qualquer intervalo, o que sem dúvida ajudou ao desenrolar da montagem, que é demasiadamente longa e, o mais grave (do ponto de vista da narrativa), mistura uma multiplicidade de temas, sem maior aprofundamento.
A ponte dos porcos, dirigido por Fernando Kike Barbosa, evidencia uma condução segura do ponto de vista do trabalho de ator, em que pese, aqui e ali, alguém tenha esquecido ou tropeçado no texto. Mas o ritmo do espetáculo tem continuidade, os atores são também contrarregras que, com precisão e segurança, trocam objetos em cena quando necessário, e a movimentação das cenas não se perde, mesmo que o grupo tivesse que se adaptar ao novo espaço em que atuou. O problema maior, portanto, fica com a dramaturgia. A exemplo de boa parte dos autores novatos, Letícia Mendes quer dizer muita coisa num texto só. O motivo deflagrador do espetáculo - uma vara de porcos que se rebela quando está sendo levada ao longo da estrada por um homem - poderia ser muito interessante, se aprofundado e desenvolvido. Não basta colocar a cena na abertura e no encerramento do espetáculo. Este episódio poderia ser tomado como uma parábola da condição daqueles personagens que, com a queda da ponte, ficam isolados e assim decidem sobreviver. Ocorre que, ao contrário dos porcos, que atuam enquanto um coletivo, aqueles seres humanos não conseguem constituir uma verdadeira comunidade, pois estão divididos sobre as questões mais importantes às mais corriqueiras. Então, fica a pergunta: qual a relação do episódio inicial com o restante do enredo?
O segundo tema desenvolvido com importância é a fuga de Amélia, desgostosa com o casamento, que, abandonando a filha e o marido, pega carona em um caminhão que chega ao lugarejo, ainda antes da queda da ponte, para vender batatas - produto de que seus moradores não careciam, pois eles próprios às produziam suficientemente e com melhor qualidade. A menina Isabel é criada por Remédios, a tia e irmã de Amélia, sem saber da verdade. Como a mãe, anseia abandonar o lugar, mas, ao contrário da outra, não tem coragem de realizar seu sonho, nem mesmo ao lado de Augusto, seu amigo, confidente e quase namorado. De novo o problema se coloca: o que tem a ver isso com os porcos? Amélia retorna para se apresentar à filha, mas logo abandona definitivamente o lugarejo, levando Augusto, já que a filha não tem suficiente força para buscar seu próprio destino. O desfecho deste segmento é interessante, mas fica perdido em meio ao restante do enredo.
E assim vai todo o espetáculo. Letícia escreve, às vezes, cenas pungentes; cria situações verdadeiramente dramáticas, mas raramente consegue amarrar isso tudo numa unidade efetiva que organize o espetáculo. Há que ter coragem de cortar e, sobretudo, escolher qual o foco dramático a ser desenvolvido, sob pena de não acontecer nenhum dos propostos. É um aprendizado duro, mas necessário. A autora mostra competência nos diálogos, tem boa imaginação, a carpintaria das cenas - com a entrada e saída de personagens - é bastante boa, mas há que ter humildade e reler o texto. De todo o modo, assistir a A ponte dos porcos nos devolveu a um bom momento típico de festival, em que se conhece um novo texto e um novo dramaturgo, em que um grupo se apresenta e pede espaço na ribalta da cidade. Agora, há que prosseguir. Começando por podar o roteiro. Tem assunto demais neste texto.

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