A apresentação de O figurante, texto triplamente criado pela atriz Isabel Teixeira, o ator Mateus Solano e o diretor Miguel Thiré, teve sessão extra no final de semana passada, cadeira extra e provocou o riso da plateia que, em última análise, foi ao teatro para ver o ator da televisão. No entanto, ao final do espetáculo, as pessoas mais exigentes estavam frustradas porque, de modo geral, não gostaram, mas tinham medo de dizer isso em voz alta - e as menos exigentes também estavam frustradas, porque esperavam uma coisa e encontraram outra. Em resumo, houve aí alguma falha de comunicação e/ou de concepção. Vamos refletir um pouco sobre isso.
Nenhum autor cria uma obra para si mesmo. A criação artística é, um si, um ato de comunicação, isto é, de repartir com outros o que se pensa ou sente. A obra pode ser tão inovadora que terá dificuldades de compreensão, tipo A sagração da primavera, de Stravinski, ou Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Mas com o passar do tempo, os novos registros - a nova linguagem - vai sendo compreendida e "traduzida" pelo grande público e aquela "obra de vanguarda" vai sendo incorporada ao cânone daquela arte.
Examinemos a questão de O figurante: o tema é interessante se nos ativermos apenas à figura estrita daquele sujeito que participa de espetáculos sem nunca chegar ao estrelato. Mas ganha uma dimensão muito mais rica e importante se esta condição se tornar metáfora de cada um de nós em nossa vida cotidiana: somos figurantes de nossa própria vida (outros decidem por nós) ou efetivamente decidimos sobre ela?
Se esta perspectiva, que é esboçada no início da encenação, tivesse sido explorada, deixaríamos de ter uma comédia, certamente, e chegaríamos a um drama contemporâneo, que implica inclusive na questão do anonimato ou da condição de 'homem massa' a que o século XX e o atual nos relegaram. Mas a opção foi diferente: enveredou pelo aparentemente mais fácil, a brincadeira com a condição frustrada de um ator que jamais é chamado para uma atuação de maior destaque.
Mas vamos adiante. Há um momento, na segunda metade da obra, em que o personagem entra em delírios e se imagina, em uma compensação em relação à sua situação de frustração, como um ator valorizado; depois, num avanço de fragmentação de sua personalidade, incorpora definitivamente a condição de grande astro, atrapalhando tudo e, claro, sendo demitido. Aqui, de novo, esta nova situação poderia servir para uma radical mudança na linha do espetáculo (a partir do texto) de modo a discutir uma figura revolucionária. Mas, de novo, a saída foi a mais simples e convencional: desempregado, o sujeito vai buscar outra empresa em que trabalhar e quando indagado sobre por que é figurante, se cala, e a peça termina, deixando a questão sem resposta, para frustração, aí, sim, creio que de todo o mundo.
Em resumo: a partir do texto (porque é sempre a partir de um texto ou de um roteiro que se pode falar a respeito de um espetáculo de teatro) se define o que vai acontecer depois. Ele é ponto de saída, base e referência. Pode-se realizar um espetáculo contra o texto (paródias, por exemplo, como a de Caio Fernando Abreu e Luis Artur Nunes de A maldição do Vale Negro), mas sempre a partir dele. O problema é que temos três autores, cada um com suas idiossincrasias e que, por mais afinados que sejam, estão obviamente puxando cada um para um lado. Então, ficou faltando unidade de concepção. Por exemplo: optou-se pela comédia, mas por que o histrionismo? Mateus Solano é um excelente ator, mas colocaram sua competência fora, porque ele imita e desvaloriza a si mesmo, com aqueles trejeitos.
O personagem Augusto, que ele encarna, é um pobre coitado com quem cruzamos aos montes, todos os dias e a toda a hora. A preparação corporal de Toni Rodrigues foi cuidadosa e atendeu ao que lhe foi solicitado, mas ficou demasiada. O figurino de Carol Lobato, com aquelas calças curtas de interiorano, é perfeito, mas foi pouco explorado. As repetições de ações são um belo achado, mas, sem uma marcação adequada, cansaram. E faltaram, claro, as imagens de vídeo, infelizmente.
Com tudo isso, O figurante se tornou uma belíssima ideia parcialmente frustrada. Não atendeu a nenhum tipo de público, não se decidiu por nenhuma linha de concepção, estacionou no fácil e no anedótico. Quem sabe o trio reexamina a questão e define melhor o que pretende?