Na noite de 29 de outubro último, a Companhia de Ópera realizou mais uma iniciativa, no mínimo, curiosa. Primeiro, pela inediticidade das peças: os manuscritos das canções de Giacomo Puccini estavam guardadas na chamada Torre del Lago, da Fondazione Puccini, na Itália, mas nunca haviam sido impressas na totalidade da coleção. Aproveitando o centenário da morte do compositor, a Ricordi, que detém os direitos autorais da obra do compositor nascido em Luca, resolveu imprimir todo aquele conjunto. Flávio Leite, da Cors, imediatamente adquiriu pelas redes sociais um exemplar que, infelizmente, não chegou a tempo para o espetáculo já programado. Valendo-se de um colega e amigo, o correpetidor brasileiro Carlos Morejano, concursado no Observatório Guiseppe Verdi, de Milão, comprou o volume e digitalizou-o, enviando diretamente para Flávio. Com o concurso do soprano Eiko Senda, as partituras foram transcritas e o espetáculo, assim, pode acontecer.
O segundo aspecto inédito do trabalho é que a equipe da Companhia de Ópera resolveu que Experiências poéticas não teria apenas uma versão de recital, mas receberia uma leitura mais dinâmica, com dramatização e encenação. Tom Peres e Carlota Albuquerque responderam por este desafio, constituindo, no flexível espaço do Teatro Olga Reverbel, uma espécie de depósito de caixas de papelão, de todos os tamanhos e formatos, no meio das quais os intérpretes se colocam, de certo modo, contracenando com as mesmas. Com a coordenação geral do maestro Evandro Matté, a iluminação e os vídeos de Ricardo Vivian e o pianista repetidor Helson Sanctu, quinze cantores se colocaram na cena, cada um interpretando uma peça.
Evidentemente, o resultado pode ser avaliado sob múltiplas perspectivas. A da concepção é verdadeiramente feliz, tanto que a casa estava cheia e as pessoas se divertiam com aquela movimentação meio sem sentido das caixas, que "atrapalhavam" e "desafiavam" os cantores a delas se livrar, salvo a passagem do soprano Cecilia Salatti, Sole amore, que, jogando com as caixas, divertiu o público, além de evidenciar uma voz surpreendentemente bonita e muito bem posta para a idade da intérprete.
Mas houve outros momentos. O tenor Leonardo Minin valeu-se do próprio espaço da sala e, desde o primeiro andar do teatro, interpretou um Inno a Roma muito bem personalizado.
O baixo Roberto Moreira, com Ad uma morta, evidenciou uma bela sonoridade e potência de voz, ainda que precise melhorar o desempenho dramático. Mas quem realmente roubou a cena foram os tenores Matias Herrera, com Morire? e Felipe Bertol, com Mentìa l´avviso, que encerrou o espetáculo, ao lado do soprano Elisa Lopes, com Storiella d´amore, penúltima intérprete a se apresentar.
Destacar estes nomes não é dizer que os demais não agradaram. Na verdade, cada um trouxe o melhor de si e tais espetáculos servem, exatamente, para que o futuro artista acostume-se com a plateia e perca o medo do público, ganhando naturalidade. Mas é evidente que houve momentos melhores e momentos menos bons. E ao se comentar o espetáculo, há que se registrar isso, sobretudo para destacar aqueles que se sobressaíram.
Este tipo de espetáculo é eminentemente experimental, quase um ensaio aberto. Por exemplo, houve um erro de concepção ao projetar os vídeos e as traduções dos poemas, na parte baixa da parede, ao invés de projetá-los na parte alta. O público não conseguiu ler, porque ficava prejudicado na visibilidade, e porque as dobras das paredes atrapalharam profundamente a identificação dos textos, até porque alguns deles, não sei por que motivo, ao invés de serem traduzidos, foram apresentados no idioma original italiano.
O uso das caixas de papelão era, em princípio, uma boa ideia; por excesso, ficou ali na divisão entre o inventivo e o desnecessário, chegando às vezes a, de fato, atrapalhar o cantor e distrair o público.
Tirados estes senões, só se pode agradecer à Cors e a seus responsáveis por estas iniciativas. Vamos não só recuperando o público amante de ópera, quanto renovando-o, o que é fundamental.