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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 17 de Outubro de 2024 às 19:38

Emiliano Queiroz, exaltado pelas novelas, merece ser lembrado como um grande ator de teatro

Ator Emiliano Queiroz faleceu no último dia 4 de outubro, aos 88 anos

Ator Emiliano Queiroz faleceu no último dia 4 de outubro, aos 88 anos

MAURÍCIO FIDALGO/TV GLOBO/ARQUIVO/JC
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Antonio Hohlfeldt
A morte do ator Emiliano Queiroz certamente deixa um vazio na cena teatral do Brasil. O lamentável é que a maioria dos necrológios publicados em jornais, revistas e divulgados pela televisão falaram apenas do ator telemidiático. No entanto, Emiliano Queiroz foi, antes de tudo, um grande ator de teatro.
A morte do ator Emiliano Queiroz certamente deixa um vazio na cena teatral do Brasil. O lamentável é que a maioria dos necrológios publicados em jornais, revistas e divulgados pela televisão falaram apenas do ator telemidiático. No entanto, Emiliano Queiroz foi, antes de tudo, um grande ator de teatro.
Logo na década de 1950, vamos encontrá-lo, já no Rio de Janeiro (ele nasceu no Ceará), integrando elencos de peças infantis, como Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, A revolta dos brinquedos (1955, peça de Pernambuco de Oliveira) e O rapto das cebolinhas (mais uma vez Maria Clara Machado, 1957), o que significa, na época, ser parte de um esforço a favor de uma afirmação da dramaturgia brasileira para crianças, sobretudo a partir do grupo O Tablado, de Maria Clara Machado.
A partir dos anos 1960, Emiliano vivenciará alguns dos melhores momentos da dramaturgia nacional e internacional, como O pagador de promessas (de Dias Gomes, 1960), Depois da queda (de Arthur Miller, 1964), Onde canta o sabiá? (Gastão Tojeiro, 1966) e, então, em 1967, a explosão de Navalha na carne, de Plínio Marcos, no Rio de Janeiro.
A estreia deste texto foi algo inédito, porque se fizeram duas diferentes montagens do mesmo tempo e ao mesmo tempo. A peça é levada a público em 1967, inicialmente, em São Paulo, no Centro de Estudos Teatrais que tem suas récitas na cobertura do apartamento de Cacilda Becker. O objetivo do Centro é divulgar, através de leituras dramáticas, originais brasileiros. Esta apresentação, porém, já era a encenação que, pronta para estrear, será interditada pela censura.
Cacilda e Walmor convidam o grupo para uma encenação em sua residência a fim de mostrar a peça aos críticos e intelectuais atuantes na cena teatral do momento. Após as apresentações do texto, os presentes firmam um parecer, a ser encaminhado ao Ministro da Justiça, Luiz Antonio da Gama e Silva, não só protestando contra a proibição da peça, como pedindo a sua liberação imediata, atendendo assim os compromissos do grupo, o que acaba ocorrendo em outubro de 1967. Na montagem paulista, dirigida por Jairo Arco e Flexa, atuavam Edgard Gurgel Aranha, depois substituído por Sérgio Manberti, Paulo Villaça e Ruthinéia de Moraes, ou seja, um elenco de primeira ordem.
Mas ao mesmo tempo também estreava a produção carioca, dirigida por Fauzi Arap, e esta, sem sofrer qualquer interdição da censura, nas interpretações de Nelson Xavier, Tônia Carreiro e Emiliano Queiroz, explodiu em sucesso, sobretudo depois da extraordinária crítica de Jan Michalski, que assinava sua coluna no Jornal do Brasil.
Sucessivamente, Emiliano Queiroz participaria de montagens como Dr. Getúlio, sua vida, sua obra, mais uma vez de Dias Gomes (1968), e retornaria a Plínio Marcos, repartindo, com Nelson Xavier, que também assinava a direção, os personagens de Dois perdidos numa noite suja, outra demonstração do eficiente talento de Plínio Marcos.
Alternando-se entre textos nacionais e da dramaturgia internacional, Emiliano Queiroz viveu Equus, de Peter Shaffer (1977), A ópera do malandro, de Chico Buarque (1978), O homem e o cavalo, de Oswald de Andrade (obra ainda da década de 1930 que, depois da redescoberta de O rei da vela, acabou sendo também sendo encenada, embora sem o mesmo sucesso da outra, em 1992), Lisbela e o prisioneiro, de Osman Lins (2000) e Medeia de Eurídice, dirigida por Bia Lessa, seu último trabalho no palco.
Eu conheci Emiliano Queiroz no palco, e ele se tornou, para mim, absolutamente inesquecível, vivendo com absoluta convicção, os personagens de Plinio Marcos. A versão levada ao cinema por Jece Valadão, de Navalha na carne, transposição absolutamente fiel da montagem teatral, apenas enfatiza sua qualificação interpretativa.
Por isso, e sem desmerecer a televisão, mas para que não passa em branco o que foi mais importante para a dramaturgia brasileira, o trabalho nos palcos realizado por Emiliano Queiroz, eis aqui o registro sobre o tema. Emiliano, tenho certeza, gostaria de ser lembrado muito especialmente enquanto ator de teatro.
 

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