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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 10 de Outubro de 2024 às 21:26

Miêdka, com Ana Mondini: Emocionante hino à vida

'Miêdka' esteve no Teatro Oficina Olga Reverbel, em Porto Alegre

'Miêdka' esteve no Teatro Oficina Olga Reverbel, em Porto Alegre

/HAMILTON RAMOS/DIVULGAÇÃO/JC
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Antonio Hohlfeldt
Começo a coluna pedindo desculpas ao leitor e morador de Morro Reuter. O monumento ao livro, mencionado na semana passada, existe em Morro Reuter, que nada teve a ver com o lamentável episódio de censura de Ivoti. Aos moradores de Morro Reuter, peço que perdoem o engano.
Começo a coluna pedindo desculpas ao leitor e morador de Morro Reuter. O monumento ao livro, mencionado na semana passada, existe em Morro Reuter, que nada teve a ver com o lamentável episódio de censura de Ivoti. Aos moradores de Morro Reuter, peço que perdoem o engano.
Duas récitas, apenas, ocorreram do espetáculo de dança Miêdka, no espaço do Teatro Olga Reverbel, do Multipalco. Trata-se de um trabalho criativo de três bailarinos brasileiros consagrados nacional e internacionalmente e que se encontram entre os 60 e os 70 anos de idade. A gaúcha Ana Mondini eu conheci ainda em Porto Alegre, ao lado de Eva Schul, e depois no Ballet Stagium. Cláudia Palma, que também assina a direção geral do trabalho, é paulistana com passagens em múltiplos grupos da capital bandeirante. O trio se completa com Armando Aurich, bailarino capixaba. O projeto foi contemplado com uma bolsa Funarte de Dança e precisava, necessariamente, visitar as cidades de origem de cada um dos bailarinos. No Rio Grande do Sul, além de Porto Alegre, o espetáculo também esteve em Caxias do Sul.
Para muitos, pode parecer um trabalho nostálgico de reencontro dos três bailarinos, amigos entre si mas que há anos desenvolvem cada qual seus projetos em cidades e grupos diversos. Assistindo ao espetáculo, não é isso que transparece, pelo contrário. Cada vez mais fica evidente como o espaço do Teatro Olga Reverbel é propício a espetáculos de dança. Porque em Miêdka é fundamental que o espectador tenha certa proximidade com o bailarino, o que, sem ser promiscuidade, faz com que se possa observar mais detalhadamente o contorcionismo e a exigência que a coreografia faz de cada corpo em cena.
O espaço cênico está marcado por folhas secas outonais, do que me pareceram plátanos e acácias, ambas ainda com odores típicos. No início, os corpos parados semelham estátuas, que depois ganham vida em gestos que são, ao mesmo tempo, profundamente significativos e quase que doloridos, como se sintetizassem a história de cada um daqueles mesmos corpos. A metáfora fica, então, evidente: a coreografia vai sintetizar, ao longo de quase uma hora de espetáculo, uma espécie de história de cada um daqueles corpos, sua história de dança. Por isso os movimentos são lentos, como que construídos a partir de esforços conscientes e significativos, numa coreografia muito valorizada pela trilha sonora de Joaquim Tomé. Ao contrário de uma obra de balé clássico do século XIX, a dança contemporânea parece se preocupar em preencher os silêncios e os vazios, o que a torna mais exigente e difícil, mas também mais expressiva, porque não está tão fortemente codificada (rotinizada). O público também precisa ser mais participativo, de maneira que se estabelece um verdadeiro diálogo entre artista e plateia, garantindo uma comunicabilidade mais profunda.
Estamos, sem dúvida, diante de uma síntese dos diferentes ciclos de vida que cada um dos intérpretes experimentou. Mas não há nostalgia e, sim, uma espécie de revisitação, como que uma revista crítica do que foi feito: o bailarino, com toda a hoje bem conscientizada experiência de seu corpo, plenamente consciente das potencialidades deste, experimenta até onde é capaz de ir, tateando e propondo movimentos que como que revelam a essência de cada um, até os momentos finais, em que uma espécie de ritual antropofágico se estabelece, quando - referência ao urso do livro Escute as feras, de Nastassja Martin, que deu nome ao espetáculo - cada um como que se alimenta do outro, porém, sem sucumbir, sem deixar de ser ele mesmo, como o personagem do livro que, apesar de ter-se encontrado com um urso, sobreviveu e encontrou um novo sentido para a vida.
Prêmio APCA de dança em 2023, o espetáculo tem viajado e propiciado também oficinas e debates, abrindo caminhos para novas gerações e, ao mesmo tempo, discutindo e propondo vencer os preconceitos em relação ao etarismo, outro grande problema da sociedade atual.
Miêdka, em resumo, é um trabalho tão forte que, ao longo de todo o espetáculo, não consegui tirar os olhos dos bailarinos: embora os movimentos fossem lentos, ao serem detalhistas, eles obrigavam o espectador a segui-los com toda atenção, o que se tornava desafiador por serem três intérpretes a se movimentarem simultaneamente, em espaços mais ou menos distantes um do outro. Miêdka, neste sentido, é um emocionante hino à vida.
 

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