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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 18 de Setembro de 2024 às 18:44

Festejando Simões Lopes Neto

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Antonio Hohlfeldt
O projeto Atos e Cenas recebeu, na semana passada, no espaço do Teatro de Câmara Olga Reverbel, um espetáculo bastante apropriado para os festejos de mais uma Semana Farroupilha. Trata-se do texto de Daniel Assunção e Carlos Albani Simões Lopes Neto - O encantador de histórias, sobre o grande escritor pelotense e a partir de algumas de suas obras.
O projeto Atos e Cenas recebeu, na semana passada, no espaço do Teatro de Câmara Olga Reverbel, um espetáculo bastante apropriado para os festejos de mais uma Semana Farroupilha. Trata-se do texto de Daniel Assunção e Carlos Albani Simões Lopes Neto - O encantador de histórias, sobre o grande escritor pelotense e a partir de algumas de suas obras.
A realização é da Cia. de Atores Independentes, de Gravataí, que já conta com um quarto de século de existência. A direção do espetáculo é de Marlize Damin. O roteiro do espetáculo faz algum resumo da vida do escritor, sobretudo de sua infância e seus primeiros estudos, para depois concentrar-se na dramatização de algumas de suas peças narrativas mais importantes, com destaque para a versão das três lendas que Simões Lopes Neto desenvolveu, embora tenha pesquisado e registrado outras. Já escrevi, há alguns anos, que Simões Lopes Neto, em que pese tenha morrido frustrado por não ter-se tornado um historiador, na verdade, sobrepujou qualquer trabalho que pudesse fazer neste sentido. Para isso, basta observar-se as três lendas por ele destacadas ao desenvolvê-las plena e dramaticamente. Refiro-me a Mboitatá, A Salamanca do Jarau e O negrinho do pastoreio, assim mesmo organizadas no volume que publicou logo nos primeiros anos do século XX. O leitor atento logo se dará conta que a origem das lendas é a cultura indígena, a ibérica e a africana, ou seja, as três origens formadoras da cultura sul-rio-grandense. Só isso bastaria para transformar Simões Lopes num autor de referência para todos nós, como bem reconheceu o mineiro Guimarães Rosa.
Pois o espetáculo de Gravataí fez a mesma opção: deixando de lado os contos, que também são obras primas literárias, diga-se de passagem, preferiu investir nas lendas, que permitiram ao grupo, com toda a certeza, a melhor exploração dos figurinos e adereços. Assim, máscaras, grandes figuras de monstros, indumentárias que permitem rápidas trocas de personificação marcam o espetáculo, idealizadas por Suzi Martinez e Luciano Mazin (designer gráfico) muito criativo e movimentado. Some-se a isso a trilha musical de Carlos Albani, interpretada ao vivo por ele mesmo, Marcão Acosta e Felipe Jardim, com peças do folclore sulino e outras composições do próprio grupo, e temos um espetáculo muito sensível, capaz de mobilizar sobretudo plateias jovens, mas que emocionam também aos que admiram o criador dos Casos do Romualdo.
Com a iluminação de Vinicius Soares, o espetáculo tem ritmo e, mesmo com algumas entradas e saídas de personagens, o andamento não se perde e envolve o público. Giulliano Pacheco, Paulo Adriane, Thâmis Quadros, Giulia Damin e Felipe Jardim são os intérpretes (deu trabalho encontrar tais referências e é muito provável que o elenco a que assistimos, na última semana, tenha alguma modificação).
Há muitos anos, Luis Arthur Nunes realizou uma bela encenação de A Salamanca do Jarau, talvez a lenda que mais amplamente sintetiza nossa miscigenação, pois mescla personagens de origem árabe (a princesa moura) com os sacerdotes da Inquisição e mais os personagens ibéricos que aqui chegaram, ocupando as missões jesuíticas (espanhóis) ou a região do que hoje é o Uruguai (a Cisplatina). Disso tudo nasceram estas histórias que o guri Simões Lopes ouviu de um antigo vaqueiro agregado da fazendo de seu pai, depois transformado na figura miscigenada do criollo Blau Nunes, quem conta as histórias.
Assistindo a este espetáculo, com cerca de uma hora de duração, na interpretação de jovens, ao lado de adultos, dei-me conta do quão é importante que os grupos artísticos sejam capazes de mesclar intérpretes de diferentes gerações, herdando uns o aprendizado dos outros para sobretudo, também provocarem o interesse de novas plateias, como aquela que se formou na quarta-feira anterior. Para envolver anda mais seu público, o grupo deslocou as cadeiras para próximo do espaço de cena, semelhante a um teatro elisabethano, de modo que, quando das músicas, sobretudo as mais conhecidas, o auditório não tinha dificuldade em aderir ao coro.
Em síntese, foi um espetáculo leve, gostoso, poético, eficiente, do ponto de vista da representação, da concepção e da interpretação, que evidencia ser este projeto em desenvolvimento do Olga Reverbel uma excelente iniciativa da Sedac, dando espaço a grupos que, como este, existente há 25 anos, bem do ladinho de Porto Alegre, provavelmente fosse desconhecido para a maioria dos que o assistiram.
 

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