Programada originalmente para o primeiro semestre do ano, mas transferida por causa das enchentes, depois de muita negociação e planejamento, pela dificuldade e alto custo financeiro para trazer o cenário até Porto Alegre, a comédia Radojka - Uma comédia friamente calculada, dos uruguaios Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal, que já têm sido parceiros em outras realizações dramáticas, chegou ao Theatro São Pedro. Deveriam ser três sessões que se multiplicaram em cinco: isso diz bem da recepção que as duas atrizes, Tânia Bondezan - que vive Lúcia e é coprodutora da montagem, ao lado de Odilon Wagner, que desta vez é diretor do espetáculo - e Marisa Orth, alcançaram com este trabalho.
Para quem não lembrar, Tânia Bondezan esteve em Porto Alegre há menos de dois anos, com a montagem de A Golondrina, um texto dramático altamente tenso. Aqui, dá um show enquanto atriz cômica, o que, convenhamos, não é pouca coisa, levando em conta que ela precisa contracenar com Marisa Orth. O melhor de tudo é que Marisa não traz nenhum cacoete da televisão e atua com absoluta naturalidade e desenvoltura, enquanto Tânia Bondezan equilibra o ritmo do trabalho, numa espécie de jogo de constante tensionamento, na maioria das vezes cômico, raramente dramático, permitindo que o espectador acompanhe o suspense sem antecipar o que vai ocorrer em seguida.
Diante da comicidade de alguns mais recentes roteiristas e dramaturgos argentinos, alguns dos quais já chegaram a ter obras aqui encenadas, pode-se dizer que a dramaturgia é boa, mas poderia aproveitar melhor a situação criada: uma idosa morre repentinamente e suas duas cuidadoras não sabem o que fazer para garantir seus empregos, decidindo, assim, congelá-la. Ocorre que a velha sérvia tem um filho, que envia mensalmente o cheque que paga as cuidadoras, e que decide, em algum momento, visitar a mãe. Nesta passagem talvez resida um dos momentos mais hilários e mais bem resolvidos de todo o espetáculo, e que depois vai se desdobrar diretamente com a conclusão do texto.
Para completar as figuras mencionadas pelas personagens femininas, vamos encontrar ainda o jovem e delinquente filho de Lúcia, vivido pelo diretor de palco, Tadeu Costa, numa intervenção que é estrategicamente importante para o desenvolvi mento do enredo; e Rafael Alvim, que vai personificar o filho da velha senhora recém-falecida.
O desenvolvimento da trama tem altos e baixos. Mas me preocupava a maneira pela qual o enredo poderia ser encerrado e, neste sentido, a dupla Schimdt e Ibarzabal acertou em cheio, fechando com chave de ouro, como se costuma dizer, a trama sempre à mercê de reviravoltas interessantes e inteligentes, de maneira a prender continuamente a atenção do público.
O cenário conservador, mas de bom gosto de Chris Aizner, os figurinos de Marilichen e Artisevskis, a trilha sonora de Jonathan Harold e a iluminação de Daniel Gonzales garantem um espetáculo com perfeita interação entre todos os elementos da encenação, garantindo inclusive as trocas de cenas, em que o blackout acaba sendo exigido. O espetáculo tem ritmo, e isso é fundamental para uma comédia que, como esta, estreada em Montevidéu, em 2016, tem sido encenada em diferentes países latino-americanos e europeus, além dos Estados Unidos, colecionando um bom conjunto de premiações e troféus.
A situação de saída - o medo que as duas cuidadoras têm de perder seus empregos, elas que já não são mais mocinhas e sabem das dificuldades em alcançar outra ocupação - é apenas o ponto de saída do enredo. Na verdade, o diálogo flui à medida em que ambas as personagens, embora complementares em suas funções, não se respeitam e nem se valorizam, o que gera uma constante competição entre elas. Dessa competição passa-se, rapidamente, com o novo contexto criado pelo falecimento da velha senhora, ao engodo que se desenrola entre elas e que chega ao paroxismo ao final do texto.
Radojka - Uma comédia friamente calculada é, neste sentido, tanto uma história policial, porque, afinal temos um morto e a vontade de esconder tal situação (bem sublinhada pela trilha sonora, diga-se de passagem), quanto uma comédia de situação e de diálogo, provocando, por isso mesmo, a necessária e constante atenção do espectador que, ao final, esquece o que está à sua volta e se diverte com o nonsense da situação.