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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 29 de Agosto de 2024 às 18:43

Sem novidade, mas oportuno

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Antonio Hohlfeldt
Dando sequência aos espetáculos que participam da segunda edição do Edital Atos e Cenas, dirigido a grupos teatrais do interior do estado, pela Secretaria de Estado da Cultura, o espetáculo NósEntreNós, dirigido por Janete Costa, foi a atração da semana passada, na interpretação do ator Gabriel Gonçalves. A produção é do coletivo Skatá, da cidade de Canoas, que ocupa a chamada Casa das Artes de Villa Mimosa, no município vizinho, um histórico prédio de 1904, restaurado e mantido pelo município.
Dando sequência aos espetáculos que participam da segunda edição do Edital Atos e Cenas, dirigido a grupos teatrais do interior do estado, pela Secretaria de Estado da Cultura, o espetáculo NósEntreNós, dirigido por Janete Costa, foi a atração da semana passada, na interpretação do ator Gabriel Gonçalves. A produção é do coletivo Skatá, da cidade de Canoas, que ocupa a chamada Casa das Artes de Villa Mimosa, no município vizinho, um histórico prédio de 1904, restaurado e mantido pelo município.
O roteiro de NósEntreNós é assinado por ambos, diretora e ator, e sua criação pretende marcar a passagem dos 60 anos do golpe de estado de 1964. O sub-título da obra, Ato-manifesto Censurados, para mim, ficou sem compreensão, mas o que interessa é o trabalho em si.
O espaço cênico está ocupado por quatro cadeiras, sobre cujos espaldares encontram-se quatro vestes que vão sendo usadas pelo ator, à medida em que o espetáculo avança. De certo modo, estamos filiados ao chamado teatro-documentário: o trabalho versa sobre quatro pessoas que, em 1964, foram presas e torturadas por sua militância política. Evidentemente, as escolhas poderiam ser várias. Ainda uma semana antes, no mesmo espaço do Mulcipalco, por iniciativa do Movimento de Direitos Humanos, fora apresentada uma exposição fotográfica-documental sobre homens e mulheres que, se encontrando em Santiago do Chile quando do golpe de estado de setembro de 1973, que levaria ao assassinato do presidente Salvador Allende, buscaram asilo na embaixada da Argentina, o que permitiu a organização e manutenção daquela documentação em torno de tais testemunhas. O que quero dizer: a escolha dos personagens verdadeiros, dentre uma relação tão enorme, é, evidentemente, o exercício da liberdade de criação do espetáculo. No roteiro, foram escolhidos dois homens e duas mulheres, uma das quais, Dilma Roussef, mais tarde presidente do País. Cada um sofreu um certo tipo de aprisionamento e processo diferenciado, o que permite ao espectador avaliar as nuanças da repressão então desencadeada.
A produção é bastante cuidada e bem concretizada: projeções trazem as imagens dos personagens referidos, uma trilha sonora auxilia na criação de um clima para o espetáculo. Mas o resultado, infelizmente, não consegue fugir de certo maniqueísmo e, ao mesmo tempo, de algum proselitismo que o longo tempo decorrido e a variedade de obras - no teatro, no cinema, na literatura, na música, nas artes plásticas - deveria ajudar a evitar. Há, inclusive, certa ingenuidade no desenvolvimento do roteiro: o espectador depara-se com uma divisão maniqueísta entre os bandidos - os golpistas, os maus - e os militantes - as vítimas, os bons. A recuperação da memória histórica, de modo geral, está bem desenvolvida, à exceção do descuido que remete Jango, quando de sua derrubada, ao Paraguai, ao invés do Uruguai.
Para mim, que vivi os acontecimentos, bateu apenas certa nostalgia. Mas, como espectador de hoje em dia, a única novidade que o espetáculo apresenta é aproximar aqueles acontecimentos de 1964 com a recente tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023, mas sem nenhum contexto ou embasamento teórico, o que, de novo, impede um trabalho de maior consequência e aprofundamento. O que o espetáculo nos demonstra, e isso não é novidade, é a violência do golpe - institucional, física, psicológica, etc. Sugere uma aproximação com o contexto presente, mas nada mais. Em algumas passagens, corre o risco do proselitismo inconsequente.
Apesar de todos estes senões ao espetáculo, quero destacar o esforço e a preocupação do grupo na realização deste trabalho. É importante que jovens se interessem em refletir a respeito do tema, justamente para que se busque evitar acontecimentos semelhantes. Por outro lado, a ideia do roteiro, com a escolha de personagens que exemplificam o ocorrido, a colocação das cadeiras, que se tornam objetos presentes sobre os personagens ausentes, tudo isso mostra que houve uma elaboração artística em torno do tema. Talvez tenha faltado uma maior maturidade, natural, pela idade dos integrantes do grupo, quanto a uma mais consequente elaboração do tema. O que não lhe tira, porém, a oportunidade e o respeito que merece.
 

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