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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 15 de Agosto de 2024 às 21:17

Folhetinesco, mas sensível

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Antonio Hohlfeldt
La Bohème não é só uma das óperas mais populares do ocidente, mas também, contraditoriamente, uma das mais primárias no desenvolvimento de seu enredo. Uma história que poderia durar dois atos, ocupa quatro e, mesmo na versão abreviada a que assistimos, necessitou de mais de duas horas de encenação! O leitor quer lugar mais comum do que o tema do desencontro amoroso? Certamente os libretistas Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, a partir do romance de Henry Murger, poderiam ter aprofundado estudos sobre a psicologia dos apaixonados e dos amantes. Mas então, teríamos uma tragédia épica e não o pequeno e anônimo relato de uma história de amor possível até mesmo entre os marginalizados sociais: um pintor sem clientela e uma florista se dão ao luxo de terem sentimentos contraditórios! Eis a vitória da obra. Não são heróis nem personagens extraordinários: o enredo trabalha com o cotidiano. Uma simples garrafa de vinho faz a alegria de todos. O dinheiro recebido por uma aula de música é repartido entre os demais colegas.
La Bohème não é só uma das óperas mais populares do ocidente, mas também, contraditoriamente, uma das mais primárias no desenvolvimento de seu enredo. Uma história que poderia durar dois atos, ocupa quatro e, mesmo na versão abreviada a que assistimos, necessitou de mais de duas horas de encenação! O leitor quer lugar mais comum do que o tema do desencontro amoroso? Certamente os libretistas Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, a partir do romance de Henry Murger, poderiam ter aprofundado estudos sobre a psicologia dos apaixonados e dos amantes. Mas então, teríamos uma tragédia épica e não o pequeno e anônimo relato de uma história de amor possível até mesmo entre os marginalizados sociais: um pintor sem clientela e uma florista se dão ao luxo de terem sentimentos contraditórios! Eis a vitória da obra. Não são heróis nem personagens extraordinários: o enredo trabalha com o cotidiano. Uma simples garrafa de vinho faz a alegria de todos. O dinheiro recebido por uma aula de música é repartido entre os demais colegas.
O enredo é prosaico, mas dele os libretistas tiraram elementos que inspiraram a melodia insuperável de Giacomo Puccini. Quem assistiu à representação numa das duas récitas do espetáculo, pode ter observado, se ele próprio não foi este personagem: a gente sabe de cor quase que todas as árias da ópera. Não é por acaso que Antonio Gramsci considerava a ópera italiana o romance folhetim de seu país, quer dizer, a narrativa por essência genuinamente nacional. Jesús Martin Barbero defendia este tipo de literatura porque, explicava, o leitor precisa ter pontos de referência para a fruição prazerosa de um texto. Para tanto, o escritor precisa utilizar, ao longo da narrativa, algumas estratégias de reconhecimento. Através delas, o leitor se situa, se reconhece em um determinado lugar, respira aliviado e diz: sim, isso eu entendo; sim, isso eu já vivi. Umberto Eco concordava com isso.
Flávio Leite, como autor da concepção do espetáculo e seu diretor cênico, foi muito feliz ao deslocar o espaço dramático para um lugar mais brasileiro, utilizando, para tanto, os grafites de Celopax. Poderia inclusive ter ido mais longe, como sugere a abertura do ato terceiro: trabalhar com moradores de rua, porque a proposta da encenação não chegou a se distanciar tanto da mansarda original parisiense.
Evandro Matté está comandando, enquanto regente da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, um conjunto exemplar. O coletivo sempre foi um acompanhamento, não um ditador da melodia, soou leve e sentimental quando necessário, tocado e ritmado quando preciso.
No elenco, Lazlo Bonilla, como o contraditório Rodolfo, em que pese seu problema de saúde vocal, soube se valer da excepcional tonalidade e extensão de voz; do mesmo modo, Gabriella Pace - inclusive em sua primeira aparição enquanto Mimi, graças ao figurino de Daniel Lion - parece uma menina de interior, o que ajuda no confronto com a figura mundana de Musetta, a cargo da descontraída Elisa Lopes; Marcello está bem composto por Marcelo Ferreira, complementando o elenco outras figuras já conhecidas de montagens recentes da orquestra.
A cenografia para enfrentar os quatro atos, sem muitos intervalos e demoras, deve ter sido um enorme desafio para Yara Balboni, que se despachou bem: as duas curtas passagens do primeiro para o segundo e depois do terceiro para o quarto ato, ficam toleráveis. A modificação mais radical ocorre no intervalo mais longo do segundo para o terceiro ato. O público foi para gostar: as árias ajudam o ímpeto do aplauso, e em que pese o frio da rua, no interior do teatro a encenação produziu calor e emoção, especialmente na finalização do drama.
Acertam os responsáveis por tais montagens operísticas em buscar atualizá-las e modernizá-las: não perdem o público tradicional e ganham novos entusiastas. No caso de La Bohème, a possibilidade da tradução do texto desmitifica o enredo. O que soa poético em italiano nem sempre é tão emocionante em português. Mas pode valorizar os aspectos cômicos do diálogo, o que não ocorre no original. Claro, a melodia de Puccini salva a situação. No final, todo o mundo aplaudiu e a história de Mimi e de Rodolfo, uma vez mais, tocou os corações. Folhetinesco, por certo, mas ainda assim, reconhecível e sensível.
 

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