Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 11 de Julho de 2024 às 17:26

Os desafios da dramaturgia e do teatro para crianças

Compartilhe:
Antonio Hohlfeldt
Depois de Maria Clara Machado, ao final dos anos 1960, muita coisa mudou, e não apenas no Brasil. Surgiram novas concepções sobre o que é literatura para crianças e, por consequência, também dramaturgia para as crianças. Neste último artigo a respeito do tema, alinhavo algumas observações que talvez ajudem o eventual leitor a olhar com atenção para essa produção cultural que, infelizmente, nem sempre é levada a sério, inclusive no Brasil. Daí a importância de um festival como o Festecri, oportunidade de se conhecer e discutir o que está sendo feito no Rio Grande do Sul em termos de espetáculos teatrais para a gurizada.
Depois de Maria Clara Machado, ao final dos anos 1960, muita coisa mudou, e não apenas no Brasil. Surgiram novas concepções sobre o que é literatura para crianças e, por consequência, também dramaturgia para as crianças. Neste último artigo a respeito do tema, alinhavo algumas observações que talvez ajudem o eventual leitor a olhar com atenção para essa produção cultural que, infelizmente, nem sempre é levada a sério, inclusive no Brasil. Daí a importância de um festival como o Festecri, oportunidade de se conhecer e discutir o que está sendo feito no Rio Grande do Sul em termos de espetáculos teatrais para a gurizada.
As mudanças de faixas etárias por que passa uma criança têm muito maior diferenciação do que no caso das idades distintas de um adulto. Assim, um espetáculo para alguém de quatro anos não é o mesmo espetáculo que quem tem oito anos de idade. Este é um dos grandes problemas: os dramaturgos não têm se preocupado muito com isso e, menos ainda, os grupos que realizam espetáculos infantis.
Ora, os pais, infelizmente, de maneira genérica, sabem ainda menos a respeito dessas coisas, de modo que a criança, em última análise: a) é levada ao teatro por um adulto, e não por iniciativa própria, salvo raríssimas exceções, do mesmo modo que, na maioria das vezes, quem escolhe o livro que ela vai ler é o adulto; b) os pais que levam seus filhos ao teatro (ou ao cinema) de modo geral não estão preparados para lidar com estas situações: se a criança é bem pequena, tratam de escolher as primeiras filas do teatro para ela ter visão do espetáculo, esquecendo que, por consequência, eles, pais, estão tirando a visão de outras crianças que se encontrem atrás deles... o pior é que nem os pais das crianças prejudicadas se dão conta disso; assim, boa parte da plateia a que, de fato, se dirige o espetáculo, pouco usufrui daquele trabalho: como a criança vai gostar do que assistiu?
c) outra questão importante é a linguagem: para que a peça a ser assistida possa se comunicar efetivamente com o público, há que ter consciência dessas diferenças etárias e, por consequência, fazer opções de linguagem - seja a linguagem oral (texto), seja a cênica; uma boa opção é trabalhar os aspectos lúdicos, mas alguns grupos, sem maior preparo técnico convocam as crianças para participarem e depois não sabem o que fazer, descuidando a interatividade que deve se estabelecer entre o espaço cênico e a plateia (espaços esses, eventualmente unificados sem que se saiba o que fazer com isso);
d) os melhores textos dramáticos dirigidos às crianças levam em conta suas competências de compreensão e apreensão das situações apresentadas e, de certo modo, valorizam suas participações interativas, sobretudo suas respostas a questionamentos e solução de problemas-desafios que os personagens das narrativas enfrentam; daí a importância do lúdico e, sobretudo da imaginação: um espetáculo infantil não pode ter telões mal pintados, nem precisa de cenários absolutamente realistas: o acerto está no meio do caminho, a correta exploração da imaginação, do "faz de conta que...": caixas de papelão, adereços de isopor, madeira ou até papel ou pano podem sugerir espaços variados e divertir e encantar profundamente a criança. Conforme as idades, os pequenos jogam à perfeição o "faz de conta que...": o artista que compreender isso, terá alcançado seus corações, emoções e atenção.
Sylvia Orthoff, para ficarmos com textos hilários; ou Ilo Krugli, para referirmo-nos a textos lúdicos, são autores que sabem lidar com estas situações. Há alguns anos, desenvolveu-se uma dramaturgia na República Federal da Alemanha, marcada até certo ponto por algum realismo, através do Grips Theater, cujas obras foram muitas vezes aqui encenadas, graças ao Instituto Goethe, mostrando que também não se trata de radicalizar: nada de realismo, mas de propor situações em que as crianças possam usar suas próprias experiências para solucionar as questões trazidas ao palco.
De tudo isso, conclua o leitor (adulto) acertadamente: não é fácil escrever para criança e é muito mais difícil escrever e realizar espetáculos de teatro para as crianças. Vamos ver o que o festival que se inicia nesta semana vai nos reservar.
 

Notícias relacionadas