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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 27 de Junho de 2024 às 19:26

Da peça didática à aventura fantasiosa

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Antonio Hohlfeldt
Figueiredo Pimentel escreveu vários textos para crianças, boa parte dos quais em parceria com Coelho Neto. Uma significativa seleção destes textos se encontra em Teatrinho infantil, que a Editora Quaresma, do Rio de Janeiro, editou em 1959. Chama a atenção a quantidade de textos que aí encontramos, com títulos do tipo Amor de mãe, Os meus parentes ou Mentiroso e preguiçoso. De modo geral, são textos curtos, com cerca de dez páginas, constituídos de cenas breves, com nítida preocupação didática: são situações do cotidiano em que se discutem comportamentos ideais e valores a serem respeitados por parte das crianças.
Figueiredo Pimentel escreveu vários textos para crianças, boa parte dos quais em parceria com Coelho Neto. Uma significativa seleção destes textos se encontra em Teatrinho infantil, que a Editora Quaresma, do Rio de Janeiro, editou em 1959. Chama a atenção a quantidade de textos que aí encontramos, com títulos do tipo Amor de mãe, Os meus parentes ou Mentiroso e preguiçoso. De modo geral, são textos curtos, com cerca de dez páginas, constituídos de cenas breves, com nítida preocupação didática: são situações do cotidiano em que se discutem comportamentos ideais e valores a serem respeitados por parte das crianças.
Carlos de Góis, que lhe vem logo depois, igualmente evidencia tais preocupações. Basta ler o volume Theatro cívico escolar (Tipografia São José, Belo Horizonte, 1925), cujos títulos refletem com fidelidade as preocupações do autor: Ensinar a ler, peça de propaganda contra o analfabetismo, ou 13 de maio, peça retrospectiva da Abolição, e assim por diante.
O volume intitulado Teatro das crianças (Paulo de Azevedo & Comp. Ltda., 1950), de que tenho a sexta edição (!!!), já traz textos mais livres desta carga educacional, ora recriando histórias tradicionais, ora trabalhando cenas cotidianas, como Branca de Neve, que é uma opereta, ou A dona de casa, comédia em um único ato, em que encontramos, simultaneamente, uma perspectiva conservadora, a da função feminina enquanto dona de casa, com a referência a que, nos países europeus, já existem escolas domésticas, para o treinamento das meninas e jovens para tais tarefas. É neste contexto, que não se modificou nas primeiras décadas do século XX, que aparece Lúcia Benedetti, paulistana de 1914 (início da primeira Grande Guerra), que vem a se casar com o jornalista e pesquisador Raimundo Magalhães Jr. Em 1942, eles são obrigados a deixar o Brasil por perseguições do Estado Novo, indo trabalhar nos EUA, de onde regressam ao final da guerra (e da queda de Getúlio Vargas), em 1945.
Lúcia, que nestes anos havia trabalhado como jornalista, assim como o marido, começa a escrever ficção e inclusive textos dramáticos para crianças. Em 1948, surge O casaco encantado, cujo texto é entregue a Henriette Morineau, da Cia. Artistas Unidos. O espetáculo será dirigido por Graça Mello e, dentre seus intérpretes, contarás com a estreia de Marília Pêra. O enredo é fantasioso: um rei tem um alfaiate em quem deposita absoluta confiança e, graças a isso, será salvo de um complô político. A obra rende o Prêmio de Teatro Infantil da Prefeitura do Distrito Federal (Rio de Janeiro, entenda-se), em 1954, e o Prêmio Arthur Azevedo, da Academia Brasileira de Letras. Seguir-se-iam a este texto outros dois trabalhos: A menina das nuvens, libreto para uma opereta que seria musicada por Heitor Villa Lobos, aliás, sua última obra, estreando em 29 de novembro de 1960 (embora escrita bem antes); e Joãozinho anda prá trás (1952) que aborda a história de um reizinho que só sabe caminhar para trás, até que um dia, para escapar a uma tentativa de derrubá-lo, ele resolve andar para a frente.
Lúcia Benedetti, como Raimundo Magalhães, era militante partidária. Não surpreende que seus textos falassem, indiretamente, da experiência traumática da ditadura getulista. Mas o importante é que Benedetti não fazia discursos, mas colocava a personagem - sempre crianças vivendo papéis de adultos - em situação de assumir responsabilidades e tomar decisões, valorizando a autonomia infantil.
A dramaturgia de Lúcia Benedetti pode estar aparentemente esquecida, mas ainda em 2021 a Editora José Olympio voltou a editar O casaco encantado, peça que foi, igualmente, remontada pela casa Laura Alvim, do Rio de Janeiro, em 1997, além da remontagem da opereta de Villa Lobos, pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1960 e, mais recentemente, em 2009, pelo Palácio das Artes, de Belo Horizonte.
A grande revolução de Lúcia Benedetti foi valorizar o universo infantil, dando-lhe autonomia e personalidade, explorando a fantasia e permitindo que os enredos se desenvolvessem com liberdade, levando o leitor e o espectador a simplesmente se divertirem através de aventuras possíveis, em uma simbiose recompensadora entre o sonho e a realidade. Em síntese, Lúcia Benedetti ainda pode - e eu diria, deve - ser levada a nossos palcos para o divertimento da gurizada.
 

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