O Rio Grande do Sul, depois dos últimos acontecimentos, está enfrentando novos desafios nos setores de espetáculos e divertimento, com resultados os piores possíveis. Há poucos dias, assistimos a uma queda de braço entre o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional a respeito do Perse, um fundo de incentivo para o setor. Este incentivo havia sido criado para o enfrentamento da crise provocada pela Covid-19. A alegação do Executivo é que a crise já passara. Acabou prevalecendo o entendimento do Legislativo e o Perse foi estendido, embora com algum regramento mais rígido, o que não foi de todo ruim.
O setor não havia ainda respirado aliviado e no Rio Grande do Sul começou o episódio das chuvas, que ainda não se esgotou. Resultado: todos os teatros cancelaram programações, artistas e grupos e produtores cancelaram espetáculos, o setor todo está paralisado, morto, uma vez mais. Evidentemente, para além da impossibilidade prática de deslocamentos, os teatros, em boa parte, encontram-se debaixo d'água e, quando as águas se retirarem, necessitarão de uma recuperação absoluta. Quantos meses até retomarmos as condições ideais de jogo no Rio Grande do Sul?
No caso dos teatros, imagine-se o Centro Municipal de Cultura? E a Casa de Cultura Mário Quintana? E os museus? O Theatro São Pedro, no alto da colina em que nasceu a cidade, o prédio em si está a salvo, até agora: felizmente, nos meses de férias de verão, ocorreram obras de recuperação de toda a estrutura de telhado da construção, a cargo da Associação de Amigos. Mas com o desligamento da energia elétrica, por alegadas questões de segurança, pela CEEE Equatorial, as bombas de sucção de água foram silenciadas. E o terceiro subsolo do Multipalco está absolutamente invadido pelas mesmas águas que ocuparam todo o nosso Centro Histórico, cercaram o Mercado Público, isolaram a Praça da Alfandega, e assim por diante.
Imaginemos que, num passe de mágica, tudo ficasse seco e restaurado. Qual é o clima para que haja público para um espetáculo, com cerca de 300 mil pessoas desabrigadas e mais de duas centenas de pessoas mortas, sobretudo, o que chamo de mortos silenciosos, idosos, crianças e animais domésticos, aqueles que são nossos companheiros cotidianos, como cachorros e gatos, antes de tudo, mas cavalos, galinhas, coelhos, porcos... O universo sul-riograndense sabe bem do que estou a falar. No episódio da Covid, a retomada se deu gradativamente. Foram muitos meses até voltarmos a ter espetáculos de teatro, shows musicais, concertos. Não que não se queira ou não se precise, pelo contrário, precisamos muito - lembrem que, numa guerra, uma das questões estratégicas é garantir alguns divertimentos para os soldados, e daí a visita de artistas de referência a tais agrupamentos.
O governador Leite traduziu com perfeição o momento: necessitamos de um Plano Marshall. Mas escrevo esta coluna na quarta feira, e não sabemos bem o que é o anúncio aterrorizante, para esta madrugada em diante, de novas chuvas, queda de temperaturas, granizo. Quando isso vai acabar e vamos começar a pior e nova etapa, que é a recuperação? Como organizar um Plano Marshall neste momento?
Os artistas, de novo, estão recolhidos à sua solidão e desamparo. E o público, de certo modo, também abandonado. Nos últimos dias, na cidade de Porto Alegre, foram cancelados o Festival de Teatro Infantil, o Palco Giratório, e corremos o risco de termos as programações de junho também prejudicadas. Por enquanto, praticamente todos os teatros cancelaram suas programações do mês de maio por inteiro.
O Rio Grande do Sul tem como padroeiro São Pedro, segundo as tradições culturais populares. O que fez o apadrinhado de tão terrível para ser assim amaldiçoado? O desrespeito ao meio ambiente? As legislações que desrespeitam o bioma pampa? As perspectivas de construirmos represas em áreas de nascentes de rios? A perda de vegetação, sempre crescente? Não sei responder e, claro, isso é uma metáfora. Mas não é metafórico o fato objetivo de que desmatamento, desrespeito a nascentes e intervenção indevida sobre proteções naturais fazem com que percamos as defesas para eventos climáticos. Aqui fizemos, aqui estamos pagando. Mas o que os artistas têm a ver com isso???