Repactuar a licitação, criar alternativa de financiamento e articular a criação de um fundo nacional de mobilidade estão entre as ideias do prefeito eleito Sebastião Melo (MDB) para o transporte público em Porto Alegre, elencadas em live nesta segunda-feira pouco antes de anunciar Luiz Fernando Záchia (MDB) como secretário de Mobilidade Urbana. Melo afirma que, "se eu tiver que eleger hoje três desafios de Porto Alegre, um deles é a mobilidade urbana".
O desafio é sustentar um sistema de transporte coletivo que enfrenta redução constante no número de passageiros, mas não pode deixar de operar, já que é um serviço essencial, especialmente por atender a parcela da população que não tem acesso a outros meios de locomoção para longas distâncias. No outro sentido, o incentivo ao uso do transporte coletivo reduz o tráfego de veículos particulares e diminui congestionamentos. Como consequência, a redução da emissão de gases poluentes contribui para o enfrentamento à emergência climática global que depende da ação dos governos locais.
Záchia está a par dos desafios e projeta a revisão da tarifa, que acontece anualmente até fevereiro, como a primeira de tantas dificuldades que terá de enfrentar. O preço da passagem se manteve o mesmo do ano anterior durante boa parte de 2020 e foi reduzido em R$ 0,15 em novembro (com o fim do repasse de recurso da câmara de compensação tarifária à EPTC), passando para R$ 4,55.
"Vamos ter que sentar juntos e fazer uma ampla discussão", afirma o futuro secretário, incluindo na conta do diálogo empresários, usuários de ônibus e a Câmara Municipal. "Existe conscientização coletiva de que o sistema está no seu limite de funcionamento, tem que criar e buscar alternativa para que possa funcionar em condição de razoabilidade", aponta. Essa consciência, afirma, passa pelo entendimento de que "o município não tem recurso para custear o sistema, não tem condição financeira".
O financiamento é o ponto central do debate. O modelo atual, em que o sistema se mantém com pagamento da passagem pelo usuário (até a pandemia, era atestada equivalência entre a tarifa técnica e a praticada), não é sustentável. Com a perda de passageiros, o custo de manutenção do sistema é repassado a quem continua usando o ônibus.
Em Porto Alegre, de 2015 a 2019, o número mensal de passageiros caiu de 17,2 milhões para 14,1 milhões. A informação consta em estudo apresentado no fim de 2019 pelo Tribunal de Contas do Estado. O levantamento indica que o sistema opera com 30% de gratuidade, o que Melo e Záchia prometem revisar.
Além disso, a Capital não aporta recursos públicos ao sistema - o único subsídio é a isenção das empresas do pagamento de ISS, que recentemente a Câmara prorrogou até o fim de 2022. Há duas semanas, os vereadores aprovaram projeto que autoriza o Executivo a conceder subsídio tarifário mediante compensação financeira - isso ficará a cargo da futura gestão.
É diante de um cenário como este que a licitação, assinada em 2015 e com vigência de 20 anos, deve ser revista. Záchia pondera que a licitação "foi feita em cima da fotografia daquele momento e hoje não espelha a realidade", como a pandemia e a perda de passageiros para aplicativos como a Uber. E, embora as empresas possam ter resistência à ideia, o gestor aponta que "ninguém quer manter um contrato longo que dá prejuízo".
Záchia prega "critério técnico e calma para chegar a uma solução boa". Ele reconhece que o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) teve boas ideias para o transporte, mas não encontrou eco no Legislativo. "Vamos buscar entendimento com a Câmara, que terá que ser parceira", define Záchia.
Direito social
Desde 2015 o transporte é um direito social garantido na Constituição Federal, ao lado de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, dentre outros, todos considerados fundamentais. A garantia ao transporte é uma das condições para o exercício cidadão do direito à cidade. Uma forma de entender isso é pensar que o transporte conecta a população aos demais direitos - por exemplo a escola, o posto de saúde, o local de trabalho.
Recursos alternativos
Sebastião Melo defende “um grande movimento nacional de convencer o Congresso e o presidente (Jair Bolsonaro) de que tem que ter um fundo nacional de mobilidade urbana”. Embora seja considerado pela Constituição Federal um serviço de caráter essencial e de competência dos municípios, não existe hoje aporte federal para o transporte coletivo. Melo aponta alternativas ao fundo, como tirar impostos que incidem sobre transporte, como IPI, ICMS e desoneração da folha.
No horizonte do prefeito eleito também estão a privatização da Carris, empresa pública de transporte da Capital, e a retirada dos cobradores dos ônibus - proposta polêmica derrotada na Câmara na atual gestão. Melo fala em “dar porta de saída para que (os cobradores) possam manter seu rendimento”, capacitando os profissionais para outras funções no sistema, como a de motorista.