"Por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser humano] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação" - a frase que abre este texto foi dita em 1971 pelo então Papa Paulo VI sobre a "problemática ecológica", atribuindo uma perspectiva religiosa sobre a temática ambiental. O trecho foi recuperado mais de quatro décadas depois na
Carta Encíclica Laudato Sí' (Louvado Seja), escrita pelo Papa Francisco e apresentada à comunidade católica em junho de 2015 com o subtítulo "Sobre o cuidado da Casa Comum". Meio ambiente, mudanças climáticas e desafios urbanos compõem o documento, que reflete o posicionamento do religioso, falecido nesta semana, frente a estas e outras questões sociais.
O Papa Francisco – Jorge Mario Bergoglio de nascimento – fez questão de citar seus antecessores na encíclica, uma forma de destacar que a temática por ele escolhida não é um problema novo, assim como indicar que a Igreja Católica está atenta a estas questões há mais tempo. A própria escolha do seu nome papal, Francisco, assim como o nome do documento, remetem a São Francisco de Assis, santo reconhecido pela profunda conexão com a natureza e trabalho voltado aos pobres. A inovação do pontífice em sua encíclica foi a abertura para além dos muros que comandava: "Agora, à vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta". O convite à reflexão foi extensivo a toda a humanidade.
Em análise feita no ano do seu lançamento, o
Observatório do Clima aponta que a mensagem central da encíclica é a conexão entre o ser humano e a natureza. "Tudo está interligado", profere o documento em vários momentos. Ao todo são seis capítulos com 246 parágrafos, seguidos por duas orações. O Papa Francisco propôs, considerando "que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial", uma reflexão "sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais".
Para além da demanda ambiental, contemplada na perspectiva ecológica e abordada, ainda que não como o tema central, nos discursos de seus antecessores, o Papa Francisco trouxe a crise climática para o debate como uma pauta da Igreja. No primeiro capítulo da encíclica, aponta "o clima como bem comum" e reafirma o "consenso científico muito consistente, indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático". O texto trata as mudanças climáticas, consequência do aquecimento do planeta, como "um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade".
A poluição de diferentes fontes, a geração incontida de resíduos e o descarte inadequado, bem como o impacto de todas estas fontes no ar, na água e na biodiversidade, também mereceram reflexão do pontífice. Mais adiante no documento, se refere a desafios vividos no ambiente urbano, especialmente pela população mais empobrecida e nos países em desenvolvimento. A encíclica aponta na sua introdução o cenário em que se insere, na sequência desenvolve qual a raiz da crise atualmente vivenciada pela humanidade e conclui com indicativos de ação, indicando para a educação e a espiritualidade ecológicas.
Reconhecido como um líder religioso revolucionário e progressista, o Papa Francisco deixa um legado também sobre como preservar o lugar onde vivemos, a nossa casa comum.