Considerado um projeto estratégico da atual gestão de Sebastião Melo (MDB) à frente da prefeitura de Porto Alegre, a revisão do Plano Diretor corre o risco de não sair em 2025. Caso o cenário se confirme, será mais um ano de atraso, num processo que se arrasta desde 2019.
O principal entrave no caminho do governo no momento é uma
decisão judicial que invalidou parcialmente a eleição do Conselho Municipal de Direito Urbano e Ambiental (CMDUA), mais conhecido como Conselho do Plano Diretor, realizada no início de 2024. Na sentença, do dia 19 de fevereiro, o juiz de direito Gustavo Borsa Antonello, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre reconhece "ilegalidade" em quatro tópicos do edital para a eleição das entidades não-governamentais que integram o colegiado.
A prefeitura irá recorrer da decisão, já confirmaram o prefeito Melo e o secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm. Por se tratar de sentença, o
recurso dará início a um novo processo junto ao órgão colegiado imediatamente superior - neste caso, o Tribunal de Justiça. Ainda assim, a prefeitura dependerá de uma liminar ou uma nova sentença, reformando a anterior, para se ver livre da obrigação de refazer a escolha dos conselheiros cuja eleição está considerada inválida.
Insistir em recorrer fará com que a revisão do Plano Diretor fique em suspenso, já que o seu trâmite está ligado ao Conselho. Também deixarão de ser realizadas as reuniões que analisam projetos especiais de segundo grau - nome dado pela lei a empreendimentos que geram impacto no seu entorno e, por isso, dependem da apresentação de um estudo de viabilidade urbanística (EVU) e da sua aprovação para seguir.
Além da sentença da semana passada, movida em março de 2024 para contestar a eleição do Conselho, segue tramitando na primeira instância o
processo de 2023 que forçou a prefeitura a realizar a eleição. No fim daquele ano, uma
liminar atendeu ao pedido para que fosse realizado o pleito, tendo em vista que a prorrogação do mandato dos conselheiros que assumiram em 2018 não encontrava respaldo legal nem no regimento do colegiado.
Em ambos os processos, há outro ponto que preocupa o poder público: a validade de atos da revisão, assim como se os processos de EVUs votados e aprovados pelo Conselho entre meados de 2020 e 2023, período das sucessivas prorrogações, e em 2024, quando atuaram os conselheiros cuja eleição foi invalidada. Até a tarde desta terça-feira a prefeitura de Porto Alegre não havia sido formalmente notificada da decisão de que a eleição foi invalidada parcialmente.
Outro motivo que pode levar ao atraso no envio do projeto de lei de revisão para a Câmara Municipal é que o governo dará prioridade ao trâmite legislativo do projeto da
concessão parcial dos serviços realizados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos, o Dmae. O prefeito quer
enviar a proposta para apreciação dos vereadores no primeiro semestre.
O assunto do Dmae, que é polêmico e também se arrasta há anos - é tratado na prefeitura pelo menos desde 2017 - demandará muita articulação política de Melo neste ano. Assim, fica difícil imaginar que outro projeto que também tem potencial de encontrar barreiras e gerar desgaste tenha condição de ser apreciado logo na sequência.
No ano passado, após as enchentes, a vigência do
convênio firmado entre a prefeitura e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para a revisão do Plano Diretor passou para o último dia do ano de 2026. O Pnud é intermediário dos contratos com consultorias que prestam apoio ao poder público na elaboração da proposta de lei que vai atualizar o regramento urbano da Capital.
O Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre é um órgão colegiado deliberativo e tripartite, formado por nove representantes de governo, nove de entidades não-governamentais e nove pessoas da comunidade (oito regiões de gestão do planejamento, mais o Orçamento Participativo).
O edital para a eleição foi publicado em 2023, após liminar da Justiça ter determinado a realização da eleição - o mandato anterior, que teria duração de dois anos, estava sendo prorrogado por decisão do Executivo há mais de três anos. A eleição foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2024.
Movida em março do ano passada, a ação é assinada pelas seguintes entidades: Acesso-Cidadania e Direitos Humanos, Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (Astec-POA) Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento Rio Grande do Sul (IAB-RS), Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul (Socecon-RS).
As ilegalidades no edital, apontadas pelos autores da ação e reconhecidas pela sentença, estão nos detalhes. Com base na lei do Plano Diretor, que indica o perfil das entidades que devem ocupar um assento no conselho, a prefeitura elaborou o edital eleitoral. No entanto, teria deturpado a sua interpretação. Na decisão, o juiz afirma que "em suma, os nove representantes de entidades não-governamentais foram escolhidos ao arrepio do que estabelece a Lei Complementar Municipal Nº 434/1999".
No primeiro tópico, a lei define que cinco vagas serão ocupadas por "entidades de classe e afins ao planejamento urbano", indicando se tratar de entidades que, sejam ou não de classe, devam ter necessariamente relação com o planejamento urbano. Mas, no edital, se abriu margem para que entidades sem tal finalidade pudessem se candidatar. Como resultado, nenhuma representação eleita guarda relação com o planejamento urbano.
Em outro tópico, enquanto a lei demanda que duas representações sejam de "entidades empresariais, preferencialmente da área da construção civil", o edital restringiu as candidaturas a somente este grupo.
Ainda sobre as vagas, foi considerado ilegal que o edital tenha previsto "órgãos ou entidades da Administração Pública Direta ou Indireta" para compor o quadro destinado a instituições científicas, sendo que este terço do colegiado é destinado justamente aos entes não-governamentais.
Também foi apontada "a inobservância do princípio da publicidade dos atos administrativos, ao se negar acesso à documentação instrutória dos pedidos de inscrição e às decisões das impugnações a essas inscrições, com prejuízo à defesa e ao contraditório dos impugnantes".
Previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257/2001), o Plano Diretor é definido no texto legal como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, é obrigatório em municípios com mais de 20 mil habitantes e deve ser revisado a cada 10 anos pelo poder público, que, por sua vez, deve garantir a participação da sociedade nesse processo.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) é instituído pela Lei Complementar Nº 434/99, atualizada e compilada até a Lei Complementar Nº 667/11, incluindo a Lei Complementar Nº 646/10 - estas duas são resultado da primeira revisão, realizada na primeira década dos anos 2000. O colegiado, no âmbito do poder Executivo, que responde à lei é o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), mais conhecido como Conselho do Plano Diretor.
O Plano Diretor de Porto Alegre é de 1999, atualizado por revisão sancionada em 2010. Desde então, a prefeitura realizou um seminário, em 2016, e um workshop, em 2017, para definição dos temas norteadores da revisão atual, retomando as atividades em meados de 2019, quando deu início à capacitação da equipe técnica, além de diálogo com entidades, coleta de dados e realização de oficinas regionais.