No ano que entrou para a história do Rio Grande do Sul como o da maior catástrofe natural e social a atingir o Estado, a crise climática esteve no centro dos debates. Planejar, prevenir, mitigar, reconstruir são algumas das palavras de ação que dominaram 2024, e que seguirão na agenda de governos e empresas e na rotina das gaúchas e dos gaúchos. As marcas da enchente servem de alerta para que a destruição não volte a acontecer, embora saibamos que as alterações climáticas virão, mais intensas e em menos tempo.
Para lidar com isso, a reconstrução e o planejamento, seja nas cidades ou fora das áreas urbanas, devem andar juntos. Afinal, a retomada social e econômica da vida em sociedade precisa estar aliada à preservação ambiental e à mitigação dos impactos dos fenômenos climáticos extremos. Só assim o tripé que forma o conceito de sustentabilidade terá, de fato, sustentação.
Para o ano que se inicia, a adaptação ao "novo normal climático" exigirá responsabilidade dos gestores públicos, que deverá estar aliada à atenção à ciência e ao diálogo com a sociedade. Além dos reparos necessários, as cidades gaúchas terão que assumir o compromisso com o desenvolvimento urbano sustentável, com a preservação da natureza e em adotar condições de responder às consequências que o clima impõe.
Para não deixar o que é obrigação cair no esquecimento, a coluna Pensar a cidade fará, a partir de 2025 (e a exemplo do que faz com Porto Alegre), o acompanhamento das propostas para o planejamento urbano e para os planos de ação climática dos municípios gaúchos.
• 2023
O início do ciclo de desastres desencadeados por fenômenos climáticos extremos no Rio Grande do Sul teve início no ano anterior, em junho de 2023, quando um ciclone atingiu municípios do Litoral Norte e dos vales do Caí, do Paranhana e dos Sinos.
Já sob efeito do El Niño, que causa o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, as chuvas se tornaram mais intensas no segundo semestre.
Em setembro do mesmo ano, chuvas extremas atingiram o Norte, a Serra e, com maior intensidade, o Vale do Taquari. As águas que desceram pelos rios chegaram a Porto Alegre e Região Metropolitana. Nos dois episódios houve registro de mortes e destruição.
• 2024
O ano de 2024 teve o primeiro registro de desastre em janeiro, quando um temporal atingiu mais de 50 cidades gaúchas, provocando morte e estragos. Em Porto Alegre, muitas árvores caíram e serviços públicos foram prejudicados. Algumas localidades registraram falta de energia elétrica por mais de um mês.
No fim de abril, o sistema de monitoramento climático do Estado, do Inmet e de empresas privadas de meteorologia alertavam para acumulados de chuva acima da média em um período muito curto de tempo, semelhante ao cenário de setembro passado. As autoridades públicas, no entanto, não repercutiram os alertas até 29 de abril - no mesmo dia do primeiro pronunciamento oficial foi confirmada a primeira morte em consequência da catástrofe.
O mês de maio iniciou com as águas que atingiram a Serra e os Vales correndo em direção a Região Metropolitana para encontrar com o grande volume que os rios e o Guaíba já acumulavam das chuvas dos dias anteriores.
As Ilhas de Porto Alegre já estavam inundadas quando a água começou a subir no "continente": Sarandi, Humaitá, Centro, Menino Deus, Ipanema, Lami e diversos outros bairros afetados. Milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas às pressas, já que o aviso chegou praticamente junto com a água.
Assim como no ano anterior, o Vale do Taquari foi muito impactado, com água e lama correndo pela cidade em questão de horas. Em outros municípios, como na Região Metropolitana, a chegada da água levou alguns dias, mas ficou acumulada por quase um mês.
O último boletim divulgado pela Defesa Civil do Estado, em 20 de agosto, confirmava a morte de 183 pessoas, com 27 ainda desaparecidas. Dos 497 municípios gaúchos, 478 foram impactados.
Em maio, mais de 77 mil pessoas estavam desabrigadas. Em 26 de dezembro eram 1.228 pessoas em 24 abrigos de 15 cidades gaúchas - a maior parte em Canoas e Porto Alegre, conforme dado do painel de monitoramento da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado.
As mudanças climáticas adicionaram 41 dias de calor extremo e perigoso para a saúde humana em 2024. A análise, feita em parceria da rede de atribuição climática global (World Weather Attribution - WWA) e com o coletivo Climate Central, apontou o aquecimento global como o principal causador de eventos climáticos extremos.
Dos 29 episódios de 2024 analisados pela WWA, 26 foram intensificados pelas mudanças climáticas e causaram a morte de, ao menos, 3.700 pessoas, deixando milhões desalojadas. A tragédia do Rio Grande do Sul faz parte destes números. No entanto, a WWA identificou 219 episódios climáticos de grande impacto ao longo do ano no mundo todo, o que eleva muito o número de pessoas mortas e o registro de estragos.
A revisão do Plano Diretor de Porto Alegre está atrasada há praticamente cinco anos - o Estatuto da Cidade prevê que a revisão da lei aconteça pelo menos a cada 10 anos, mas a votação anterior foi em 2009, sancionada em 2010.
Para o Executivo, a demora, causada inicialmente pelas restrições da pandemia de Covid-19 e, neste ano, pela enchente, é entendida como oportuna, pois permitirá incorporar ao projeto necessidades identificadas nestes dois eventos.
Diferente do atendimento de emergência que caracteriza a reconstrução da cidade, o planejamento trata de uma visão da cidade que se quer para o futuro. A previsão da prefeitura é desenvolver as atividades participativas obrigatórias do Plano Diretor e enviar o projeto de lei para a Câmara em 2025. Já a votação, como diz o prefeito Sebastião Melo, será "no tempo do Legislativo".
Um dos palcos da posse à prefeitura de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro terá, no dia 1º de janeiro, evento com a presença de autoridades, convidados e imprensa, mas isso não marcará sua reabertura. Fechada desde 2017 e em obras há quase quatro anos, restam ajustes a serem feitos na parte elétrica e de iluminação, e a reabertura será em fases (não informadas pelo poder público). Secretário de Obras e Infraestrutura, André Flores defende a cautela como forma de entender a dinâmica de uso que a Usina, agora revitalizada, terá.