Fenômenos climáticos mais frequentes e com maior intensidade: de maneira simples, é uma forma de explicar as mudanças climáticas. E é o que se identifica na onda de calor que estamos enfrentando de norte a sul do Brasil nas últimas semanas.
Comum para a época do ano, o calor no fim do inverno deste ano se destaca pelas temperaturas ainda mais altas, por estar se prolongando no tempo e pela abrangência. "Não que fosse esperado, mas não é novo, e nos últimos dois anos se acentuou", pondera o meteorologista Marcelo Schneider, do Inmet.
Parte da explicação está no aquecimento do Oceano Atlântico, o que tem feito com que as chuvas fiquem mais concentradas na costa norte do Brasil. Com isso, a precipitação é baixa no sul da Amazônia e no centro do País, além de atrasar o início da estação chuvosa na região. "Isso também costuma acontecer, só que este ano está mais intenso e respondendo o reflexo global das temperaturas médias do planeta", aponta Schneider.
Ou seja, as temperaturas acima da média e a baixa umidade do ar não são causadas pelas queimadas que atingem as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Já a duração prolongada, a dificuldade no combate ao fogo e a dispersão da fumaça pelo País são consequência da condição climática.
"A fumaça está acontecendo pela abrangência da onda de calor. Com o vento quente da Amazônia soprando ao sul, está trazendo a fumaça. Mas não é ela a responsável pelo calor", explica o meteorologista. Essa poluição e a qualidade do ar piora quando no local tem pouco vento, segue Schneider. "Isso forma um 'tampão' da alta pressão atmosférica que não deixa o ar subir e fica aprisionado".
Em partes isso justifica o sol avermelhado que tem sido observado no início da manhã e ao fim da tarde: "quanto mais poluição e mais impurezas no ar, maior o comprimento de onda que o caminho da luz tem que atingir". Schneider complementa que o sol vermelho está associado com períodos secos e com alta poluição, ou seja, não acontece somente quando há queimadas.
Também não há relação direta entre a condição atual e o El Niño, que foi responsável pelo excesso de chuva que teve início na primavera passada e seu ápice no outono deste ano no Rio Grande do Sul. No restante do País, o fenômeno causa escassez de chuvas. Conforme Schneider, desde o meio deste ano o Oceano Pacífico está em condição de neutralidade com tendência de resfriamento, propício para a formação de um La Niña.
Os gaúchos podem esperar o fim de setembro e parte de outubro mais úmido, com frentes frias e instabilidade. O final da primavera e o verão, sob influência da La Niña, tendem a ser mais secos.
No caminho dos rios voadores
O caminho que está sendo feito pelo vento carregado com a fumaça das queimadas é o mesmo percorrido pelos "rios voadores", figura de linguagem para explicar um fenômeno natural que forma um corredor de umidade com impacto em boa parte da América do Sul.
Rios voadores são "cursos d'água atmosféricos" formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens e propelidos pelos ventos. A explicação vem do projeto que leva o mesmo nome, desenvolvido desde 2007.
Essas correntes de ar, nas condições meteorológicas propícias, carregam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil que se transforma em chuva. É essa ação de transporte de enormes quantidades de vapor de água pelas correntes aéreas que recebe o nome de rios voadores.
Na condição atual, no entanto, o vento que vem do norte não traz umidade, mas sim a fumaça das queimadas florestais que encontra no caminho.
Biomas devastados
Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal - quatro dos seis biomas brasileiros (os outros são a Caatinga e o Pampa) estão no rastro das queimadas dos últimos meses. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que entre segunda e terça-feira mais de 75% das áreas afetadas pelo fogo em toda a América do Sul estão no Brasil.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima afirma que parte dos incêndios têm origem criminosa e trabalha na identificação dos responsáveis. Nesta terça-feira, 10 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo federal intensifique a atuação no combate ao fogo.
Os anos mais quentes da história
Todos os anos entre 2015 e 2023 alcançaram a marca de serem os mais quentes já registrados na história do planeta, sendo 2023 o ápice do calor, com 1,45º C acima da média registrada antes da era industrial - muito perto da meta prevista no Acordo de Paris de manter o aquecimento em no máximo 1,5 ºC até o fim do século.
Os dados fazem parte de estudos de especialistas ao redor do mundo, que são revisados pelos pares (outros cientistas) e compõem os relatórios da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência da ONU que trata das questões climáticas.
Quando se fala de aumento da temperatura a referência é a temperatura média do planeta até a época chamada pelos cientistas de pré-industrial (para a ONU, entre 1850 e 1900). A partir de então, aumentou a emissão de gases poluentes devido ao uso de combustíveis fósseis pela indústria, nos transportes e em outras atividades humanas.
A concentração desses gases na atmosfera intensifica o efeito estufa, que é um processo natural do planeta Terra para reter o calor necessário às condições de vida. Intensificado, ele provoca o aquecimento da atmosfera e dos oceanos - o aquecimento global. A temperatura média mais alta impacta na mudança do clima. Ondas de calor extremo, secas severas e inundações devastadoras que tomaram conta do mundo nos anos recentes são consequência disso.
Atribuição climática
É preciso muito estudo e para apontar a relação entre um evento extremo e as mudanças climáticas. Uma maneira de chegar a resultados que confirmem a influência é por meio da atribuição, usando modelos já existentes para analisar rapidamente os dados, mantendo o padrão científico.
É o que faz a iniciativa
World Weather Attribution, colaboração internacional de cientistas para a análise de eventos climáticos, que aponta relação tanto dos
incêndios florestais de agora quanto das
chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul meses atrás com o
aquecimento global.