Previsto na Constituição Federal de 1988, o Plano Diretor é considerado "o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana" dos municípios brasileiros. Deve ser proposto pelo Executivo, submetido à apreciação e aprovação de lei pela Câmara Municipal, após passar por debate com a sociedade.
A função do Plano Diretor foi detalhada alguns anos depois pelo Estatuto da Cidade, que regulamenta o capítulo da Política Urbana da Constituição. Nele o Plano Diretor é definido como parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. Diz ainda que deverá abranger todo o território do Município e que a lei deverá ser revista, pelo menos, a cada 10 anos.
Outras orientações são prestadas pelos textos federais sobre a lei que define o planejamento urbano das cidades no Brasil. Mas, de maneira geral, cabe ao município o desenvolvimento desta política pública. Isso faz com que haja mais diferenças que semelhanças na maneira como o documento é compreendido, debatido e implementado em cada cidade, o que faz com que cada lei municipal assuma um caráter que valorize a identidade local, mas que dificulta comparações e uma interpretação mais abrangente dos planos.
Esta percepção empírica impulsionou o advogado Fábio Scopel Vanin, especialista em Direito Público, Urbanístico e Ambiental, a questionar como a liberdade dada aos municípios se traduz na norma legal. "A Constituição Federal primeiramente, depois o Estatuto da Cidade, deram diretrizes gerais para Plano Diretor, mas ele vai ter a sua precisão num cenário que possibilita muita inovação das prefeituras, porque os parâmetros nacionais, jurídicos, são bem amplos, muito na perspectiva dos instrumentos e não tanto de como deve se formatar um plano", aponta.
Surgiu então o impulso para realizar a pesquisa "Planos Diretores dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul", selecionada por um edital de fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul, que disponibiliza dados e análises sobre a lei nos onze maiores municípios gaúchos em número de habitantes: Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas, Santa Maria, Gravataí, Novo Hamburgo, Viamão, São Leopoldo, Passo Fundo e Rio Grande.
No recorte inicial estavam 10 cidades, mas, com a inversão de colocação entre Rio Grande, que já estava sendo pesquisada, e Passo Fundo, que superou o município do Sul em população no Censo de 2022, a opção foi por manter as duas. Vanin está à frente da equipe que conta com outros sete pesquisadores. Atualmente ele realiza estágio Pós-Doutoral na Universidade de Coimbra, em Portugal, também estudando direito urbanístico no campo do planejamento. Na análise do advogado, as diferenças entre os planos não é algo necessariamente negativo.
"Isso responde a uma ideia que se tinha em 1988 e é muito forte no Brasil, que é o reforço ao municipalismo. O Plano Diretor de cada município tenderia a ter uma identidade, com a cara local, o que se veria como algo positivo. Entretanto, o que percebemos é que alguns critérios gerais de estruturação seriam importantes", sustenta. Um exemplo da falta de parâmetros é a nomenclatura - em 11 cidades analisadas foram identificados nove nomes diferentes para o plano.
Para que seja possível a comparação, foram escolhidos cinco grupos de dados para a análise e dois já estão disponíveis para consulta: conteúdo geral do plano (tabela abaixo) e informações de gestão, revisão e controle. Está em andamento a análise de conteúdo ambiental, de risco e de desastre - cruzando os dados dos Plano Diretores com o cadastro nacional de cidades suscetíveis a desastres ambientais. Vanin inclusive chama atenção para este ponto, fazendo uma relação entre a falta de um planejamento adequado da ocupação urbana que considere as áreas de risco das cidades. Os outros grupos a serem levantados estarão relacionados a patrimônio cultural e aos instrumentos e ao zoneamento previstos nos documentos de cada município.
A pesquisa teve início em junho de 2023 e a previsão de conclusão é para 2025. Mas o levantamento de dados deve seguir além deste período - os municípios em estudo no momento inauguram um movimento que terá continuidade e abrigo no Observatório do Direito Urbanístico, projeto que já era gestado e foi criado no embalo da pesquisa.
“Queremos olhar as normas, verificar o que se repete e coisas que são identitárias, e a partir disso tentar separar boas práticas e levantar alertas para aquilo que é insuficiente, que não cumpre a Legislação Federal e que possa ser aprimorado”, defende Vanin.
Os dados já levantados, uma lista com a definição de termos comuns nos Planos Diretores e bibliografia relacionada ao tema estão disponíveis no site do Observatório:
direitoeurbanismo.com.br.