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Bruna Suptitz

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Publicada em 02 de Julho de 2024 às 20:44

Escritórios de Arquitetura propõem retrofit para habitação social no Centro de Porto Alegre

Mesmo atingido pela enchente de maio, Centro da Capital se manterá como área consolidada

Mesmo atingido pela enchente de maio, Centro da Capital se manterá como área consolidada

TÂNIA MEINERZ/JC
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A tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul tem como uma das suas consequências um alto número de pessoas que perderam todos os bens materiais, inclusive o lugar onde moravam. Ofertar moradia a essas pessoas é preocupação de todas as esferas da administração pública, que já apresentam suas propostas habitacionais: Minha Casa, Minha Vida (MCMV) por parte do governo federal; cidades provisórias organizadas pelo governo do Estado enquanto novas unidades estão em construção; aluguel social e flexibilização de normas para facilitar a produção habitacional por parte dos municípios.
A tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul tem como uma das suas consequências um alto número de pessoas que perderam todos os bens materiais, inclusive o lugar onde moravam. Ofertar moradia a essas pessoas é preocupação de todas as esferas da administração pública, que já apresentam suas propostas habitacionais: Minha Casa, Minha Vida (MCMV) por parte do governo federal; cidades provisórias organizadas pelo governo do Estado enquanto novas unidades estão em construção; aluguel social e flexibilização de normas para facilitar a produção habitacional por parte dos municípios.
Mas a construção de novas moradias não precisa ser a única saída para atender a essa demanda - que já existia e aumentou com as enchentes. É possível - e sustentável, do ponto de vista ambiental - o uso de imóveis já existentes para este fim, mesmo que para isso seja necessário alterar o padrão construtivo por meio de reformas. É o que se faz por meio do "retrofit", termo utilizado para reformas que alteram também o uso daquele lugar.
É com base neste entendimento que surge a proposta da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura no Estado (Asbea-RS) de aplicar retrofit em escala em edifícios do Centro de Porto Alegre "como alternativa para a realocação de desabrigados da enchente de maio de 2024".
A iniciativa lançada pela entidade vem acompanhada de um estudo da legislação local e tem como referência o município de São Paulo, onde, com apoio do poder público, 40 prédios na região central foram reocupados a partir da adaptação de uso no período de 5 anos. A proposta para a capital gaúcha é, também a partir de incentivos, destinar as unidades para atender a demanda habitacional prioritária, termo utilizado para o perfil de população com renda equivalente ao atendido por programas como o MCMV.
"Entendo o momento como uma oportunidade para transformarmos os imóveis ociosos em habitação de interesse social", explica o arquiteto e urbanista Vicente Brandão, que integra a diretoria da Asbea-RS. Além da necessidade de moradia decorrente da enchente, a escolha pelo Centro Histórico como berço da iniciativa se dá por uma conjunção de fatores: é uma área consolidada, já atendida por infraestrutura urbana e que, por mais que tenha sido atingido pelas águas do Guaíba, não será deslocada - a melhor saída para o bairro é reforçar o sistema de proteção de cheias a partir da experiência deste ano. "O Resgate do Centro é um princípio para recuperar a autoestima da cidade. É o centro cultural e administrativo da cidade e, querendo ou não, do Estado. Tem um simbolismo nisso", defende Bibiana Fiterman, presidente em exercício da Asbea-RS. Tendo o Centro como piloto, o projeto poderá seguir depois para outras regiões com infraestrutura já instalada, como parte do 4º Distrito.
Para levar o projeto adiante, a entidade elenca medidas que dependem de apoio do poder público e de instituições de fomento, como a Caixa. No cenário atual, a viabilidade financeira é apontada como um problema, pois falta acesso a crédito para moradia de baixa renda que considere as particularidades das obras de retrofit, que partem de uma planta baixa existente, portanto não se enquadram necessariamente na metragem exigida a novos imóveis. Uma das medidas propostas, a exemplo do praticado em São Paulo, é o incentivo urbanístico e financeiro: lá, imóveis que atendem critérios pré-determinados recebem até 25% do valor da obra - a prioridade na distribuição dos recursos, também definidos previamente, é para obras que atendam as faixas 1 e 2 de habitação de interesse social na cidade. Há também uma "trava" que garante a manutenção dessa finalidade ao imóvel por um período.
"Se passarmos por essa crise e ainda tiver imóveis ociosos no Centro, erramos como sociedade", sustenta Brandão. "E, se não tivermos incentivos ou instrumentos que permitam fazer isso (a conversão de uso) nesse momento de alta demanda, é porque falhamos enquanto entidades, sociedade e poder público. Não tem como passar por essa crise com imóveis subutilizados", completa.
A iniciativa foi apresentada à administração municipal e a representantes da Caixa. A prefeitura confirma ter recebido a proposta e informa que o material está em avaliação.

"O edifício mais verde… é aquele que já está construído"

A frase "O edifício mais verde… é aquele que já está construído", do arquiteto norte-americano Carl Elefante, é um convite a pensar a cidade a partir da realidade já existente, consciente da relação do que é construído com a natureza, preservação ambiental e redução da emissão de gases poluentes na atmosfera. A ideia dialoga com o conceito proposto pelo retrofit das edificações.
"Os edifícios representam enormes investimentos em recursos energéticos, materiais e financeiros e, no entanto, milhares de edifícios viáveis ​​são destruídos todos os anos em nome do progresso. A escala deste desperdício é ainda mais preocupante à medida que o mundo enfrenta as alterações climáticas e a necessidade de reduções rápidas nas emissões de gases com efeito de estufa", declara em artigo disponível no seu site.
O arquiteto sustenta que a modernização de prédios existentes pode garantir desempenho equivalente aos novos e ao mesmo tempo reduzir as emissões atreladas à construção quando acontece do zero. "Ocupar, manter, renovar e adaptar edifícios existentes é a abordagem mais ecológica e é especialmente crucial para cumprir as metas de redução de emissões do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas", conclui.

Projeto Retrofit em Escala - Asbea-RS

RETROFIT - UM RESUMO DO CENÁRIO ATUAL
  • Viabilidade financeira: fluxo de desencaixes muito oneroso nas fases iniciais do negócio: aquisição, prospecções e estudo de viabilidade; tempo de obra mais curto não compensa o desequilíbrio no fluxo de caixa sem alteração em outros atributos: tempo de aprovação, custo de financiamento, incentivos fiscais;
  • Perfil do empreendedor: particularidades do negócio, pela individualidade de cada empreendimento, atrai e se encaixa muito mais a pequenas e médias empresas;
  • Perfil do empreendimento: limitações no atendimento a critérios construtivos pensados para incorporação tradicional colocam o retrofit em um patamar inferior a novas construções no enquadramento de financiamentos;
  • Custo do capital: tanto o mercado de capitais, quanto o sistema bancário hoje ainda não traduzem a leitura ESG do retrofit em taxa, que é um dos ingredientes necessários à competitividade do retrofit com o mercado greenfield.
PROPOSTAS
  • 1. Legislação (Edilícia, Segurança, Acessibilidade)
1.1. Esteira emergencial de aprovação integrada expressa para projetos que se adequem ao Programa de Retrofit no Centro, através de comissão especial formada por equipes da Prefeitura e Corpo de Bombeiros para no prazo máximo de 60 dias. A comissão será responsável por definir compensações e mitigações relativas a acessibilidade, normas de desempenho, PPCI e outros sistemas de segurança.
1.2. Ministério das Cidades: Flexibilizar áreas e isentar alguns condicionantes da legislação MCMV, como a que obriga a áreas mínimas de lazer por unidade, que não fazem sentido em áreas centrais consolidadas.
1.3. CEF: Permitir financiamento de prédios com usos mistos (térreo comercial), e com possibilidade de diferentes faixas econômicas.
  • 2. Titularidade dos imóveis
2.1. Esteira emergencial de legalização com presença de registro de imóveis e colégio notarial.
2.2. Comunicação com os cartórios de registro de imóveis a respeito do enquadramento da atividade do Retrofit como uma incorporação imobiliária, a qual tem a possibilidade de se valer de Regime Especial de Tributação (RET).
2.3. Busca ativa para imóveis com único dono, com auxílio de plataformas imobiliárias.
  • 3. Incentivos Fiscais
3.1. Mecânica de benefício do IPTU: É prevista a remissão dos débitos no habite-se, mas não há previsão de suspensão da cobrança ou retirada temporária do cadastro de débitos durante obra, que impede a emissão de CNDs e dificulta os trâmites com cartório de imóveis, bancos e mesmo nas compras durante obras.
- Isenção de IPTU para a edificação na fase de obras e comercialização, desde a compra do prédio até a comercialização das unidades
- Isenção do ITBI na compra do edifício e na venda das unidades
- Isenção de taxas de serviços na tramitação de projetos
- IPTU diferenciado para os proprietários de apartamentos de edifícios beneficiados pelo programa (consumidor final)
3.2. Subvenção: sugere-se que a Prefeitura de Porto Alegre elabore um edital de 200mi com subvenção econômica que cubra até 25% do valor das obras de reforma para empreendimentos de Habitação de Interesse Social do programa Retrofit em Escala, nos moldes do que vigora em São Paulo. Exigência de manutenção da categoria de uso do imóvel por um período de dez anos. As obras deverão, ainda,
respeitar exigências de sustentabilidade. O pagamento da subvenção será feito em parcelas, conforme desenvolvimento do projeto.
3.3. Função social da propriedade: IPTU progressivo para imóveis ociosos, incluindo imóveis públicos e de entidades que não pagam IPTU, como igrejas, Santa Casa. Desapropriação por hasta pública.
3.4. Incentivos com índices construtivos: possibilidade de transferência de potencial construtivo referente às áreas das edificações para os projetos enquadrados no programa e gravados como AEIS III e IV no Plano Diretor. Utilizar o mesmo conceito da Lei 12.585/2019. Poderia-se gerar TPCs equivalente a 60% da área da edificação que será reciclada, o qual será comercializado em qualquer ponto da cidade. O valor
auferido na venda dos TPCs subsidiariam a compra dos imóveis, tornando a proposta mais viável.
  • 4. Funding: Linhas de Crédito (Aquisição e Taxa)
4.1. CEF: Facilitar rotina e avaliação de crédito para pequenas e médias construtoras e incorporadoras, visto que o Retrofit se adequa a esse porte de empresas.
4.2. CEF: Linha de crédito para aquisição de prédios. Vinculação do selo Azul às práticas ESG inerentes à atividade do Retrofit. Os financiamentos devem traduzir a leitura ESG em taxas, necessário para competitividade.
4.3. Locação social da Prefeitura, Governo do Estado ou Federal em contratos de longos períodos (10 anos) que permitam investimentos calculados a partir da remuneração no longo prazo.
  • 5. Mercado de Trabalho
5.1. Programa social da Prefeitura para destinação preferencial de empregos nas obras do Programa de Retrofit para as pessoas em maior vulnerabilidade. As obras de Retrofit são passíveis de absorver mão de obra menos especializada.
  • 6. Manutenção
6.1. Manual de uso e ocupação adequado à Habitação de Interesse Social, considerando a dificuldade de condução da manutenção edílica em imóveis de Retrofit. Verificar a possibilidade de algum incentivo público nas taxas de condomínio.
Fonte: Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-RS)

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