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Bruna Suptitz

Bruna Suptitz

Publicada em 25 de Junho de 2024 às 19:02

Grupo de catadores pioneiro em Porto Alegre pode ficar sem galpão de reciclagem

Janaína (e) e a irmã Solange em frente ao galpão onde trabalhavam: local ficou totalmente debaixo d'água

Janaína (e) e a irmã Solange em frente ao galpão onde trabalhavam: local ficou totalmente debaixo d'água

Bruna Suptitz/ESPECIAL/JC
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Janaína Gonçalves da Silveira é catadora de materiais recicláveis desde os 9 anos de idade. Hoje com 45, preside a Associação Socioambiental Das Evinhas, que tem como sede e espaço de trabalho um pequeno galpão alugado na Avenida Voluntários da Pátria, no bairro Farrapos, de frente para a Freeway e pertinho da nova ponte do Guaíba.
Janaína Gonçalves da Silveira é catadora de materiais recicláveis desde os 9 anos de idade. Hoje com 45, preside a Associação Socioambiental Das Evinhas, que tem como sede e espaço de trabalho um pequeno galpão alugado na Avenida Voluntários da Pátria, no bairro Farrapos, de frente para a Freeway e pertinho da nova ponte do Guaíba.
Na tarde do dia 3 de maio, Janaína trancou a grade do galpão e desde então não conseguiu mais entrar lá. O resíduo que seria triado para a venda ficou mais de três semanas submerso na maior enchente que já atingiu Porto Alegre. Quando a água baixou, ficou tudo espalhado pelo chão. Sem ter como acessar o lugar em segurança e sem ter como retirar o que agora é um amontoado de lixo encharcado e pesado, a catadora espera receber ajuda da prefeitura para limpar o local.
Com o trabalho parado há quase dois meses, as 12 pessoas que fazem parte da associação - além de Janaína e da irmã Solange, outras oito mulheres e dois homens - dependem da venda dos resíduos para ter alguma renda, e estão sem nenhuma. Como são moradores das vilas do entorno, igualmente alagadas, perderam também o que tinham em casa. E estão prestes a perder o lugar que serve de sede da associação: sem trabalhar, não conseguiram dinheiro para pagar a mensalidade de R$ 500,00 ao dono do galpão, atrasada há dois meses. Para seguir com a reciclagem, precisarão procurar outro espaço.
Para Janaína, será como reviver um drama pelo qual passou cerca de dez anos atrás. Antiga moradora da Ilha Grande dos Marinheiros, teve que sair de casa e deixar o galpão para trás para dar passagem à nova ponte do Guaíba. Recomeçou a jornada não tão longe de onde partiu: ela e a família vivem hoje sob a ponte que antes os desabrigou, agora no "continente", na Vila Cobal.
Para a moradia, a expectativa é receber do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) o recurso da compra assistida, uma alternativa ao reassentamento dos moradores das vilas Cobal, Areia e Tio Zeca. Retirar as famílias é condição para finalizar quatro alças de acesso à estrutura, e assim concluir a obra.
O plano de Janaína é ir não muito longe, mesmo com o receio de novos alagamentos: é no entorno que ela pretende seguir trabalhando com reciclagem. Mas nem ela, nem os demais integrantes da associação querem continuar no galpão alugado. "Não temos condição de voltar", sustenta: o lugar é pequeno, não tem estrutura adequada para a triagem, nem é totalmente fechado, o que os deixa expostos à chuva. Além disso, tem a dependência do aluguel, muito caro para quem só recebe pela venda do reciclável.
A reivindicação do grupo é para recuperar o que foi perdido na migração forçada: um galpão para ser gerido pelos catadores. Eles apontam como alternativa instalar a nova sede num terreno disponível que fica bem perto do atual, na mesma avenida, a Voluntários, pouco antes de chegar na altura da nova ponte do Guaíba. A área fica nos fundos da Cooperativa Sepé Tiaraju, contratada pelo município.
"É uma ironia do destino", na visão da Janaína, as pessoas que formavam o primeiro grupo organizado de catadores de materiais recicláveis de Porto Alegre hoje não terem nem galpão, nem contrato com o poder público. A referência é ao grupo que se formou na década de 1980, com apoio do Irmão Antônio Cecchin, na Ilha Grande dos Marinheiros, do qual sua família fazia parte.
Ao sair da Ilha, o grupo não recebeu um espaço onde pudessem continuar a fazer a separação dos resíduos para a venda. Assim, o trabalho seguiu informalmente. A criação da Associação Socioambiental Das Evinhas aconteceu apenas cerca de três anos atrás, e logo passou a receber cargas da coleta seletiva feita na Capital. Mas, como não tem contrato formalizado, não recebe nem a ajuda de custo para manter o galpão.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Porto Alegre informa que acompanha o galpão e a alternativa apresentada é que as catadoras e os catadores passem a integrar algum grupo já estruturado que já tenha contrato com o poder público para atuar como unidade de triagem.

As Evinhas

Janaína e a foto com a mãe, Eva, e as irmãs - 'as Evinhas'

Janaína e a foto com a mãe, Eva, e as irmãs - 'as Evinhas'

Bruna Suptitz/ESPECIAL/JC
De tudo o que podia ter se perdido com a enchente que deixou sua casa quase um mês inteiro debaixo d'água, Janaína Gonçalves da Silveira tinha uma preocupação em especial: a foto em que ela e as irmãs estão com a mãe, Eva Gonçalves Machado, e o quadro pintado pela sobrinha que reproduz a foto. Evinha, como era conhecida a mãe de Janaína, teve cinco filhas, e quatro delas aparecem na foto. As meninas eram chamadas "as Evinhas", origem do nome da associação.

Série reciclagem

Esta série de reportagens é realizada com apoio da Bolsa de Produção Jornalística sobre Reciclagem Inclusiva 2023, concedida pela Fundação Gabo em parceria com a plataforma Latitud R. Os conteúdos estão disponíveis no blog Pensar a cidade, no site do JC. Confira o que já foi publicado:

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